2 de fevereiro de 2009

Irreprimível



_____Existem momentos em que acho que meus amigos devem passar um pouco de vergonha por serem reconhecidos como tal. Mesmo sendo muito tímido, estranho, antissocial, avoado, blogueiro, chato e um bocadinho prepotente, consigo, durante a maior parte do tempo, disfarçar e parecer um marciano humano normal. O problema é que, em diversas situações, de maneira completamente espontânea e irreprimível, tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas. Para citar um exemplo simples, saibam que quando leio não me controlo nem um pouco.
_____Por certas obras, já me debulhei em lágrimas em praças, bibliotecas, filas, na varanda de um Starbuck’s de Nova Orleans. Chegaram, mais de uma vez, a interromper minha leitura para perguntar se eu precisava de alguma ajuda. Além do choro, também fico abobalhado, catatônico, olhando para um ponto específico no vazio, pensando, quando acabo de ler algo interessante. Ou, campeão dos olhares de esguelha dos passantes, caio, ruidosamente, na gargalhada.
_____Comecei a ler a comédia Lisístrata – a greve do sexo, de Aristófanes. Eu, que já adoro o teatro grego, estou impressionado: o texto é ótimo e mais engraçado do que eu pensava. Ontem, no metrô, eu ria tanto que um cara tatuado que sentou do meu lado quase me bateu achando que eu ria dele.
_____Para não ficar só no campo da leitura, vale contar que fui à Estação Pinacoteca para ver as novas obras de Marcello Nitsche. Sua série Explosões (fotos acima e abaixo) é fantástica. Telas-esculturas com a forma das explosões, imagens escondidas no fogo e na fumaça, reflexões urgentes para o momento.*
_____Não foi à toa que passei muito tempo, sentado, olhando cada um dos trabalhos. Tanto tempo parado, sem mover mais nada além dos olhos, acabou me valendo um segurança vindo perguntar se havia algo errado comigo. Achar estranho alguém rindo com um livro, eu quase entendo. Entretanto, eu pensei que alguém parado, olhando as obras de uma exposição era algo normal. Como sou ingênuo.

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_____Já que eu comentei sobre o trabalho do Nitsche e sobre a peça do Aristófanes, como complemento, creio que a imagem abaixo e um trecho do diálogo entre Lisístrata e o Comissário pode muito bem servir como base para se pensar sobre os últimos acontecimentos do mundo.





Comissário – Primeiro eu lhes pergunto: por que resolveram trancar as portas da Acrópole?
Lisístrata – Para dominar o tesouro. Onde está o tesouro está o poder. Sem dinheiro, não há guerra. Compreende-se que queremos a paz?
Comissário – Com que, então, o dinheiro é a causa da guerra?
LisístrataE, usado na guerra, falta na paz. Por isso a guerra é opulenta e a paz é miserável. Pisandro, o oligarca, vive pregando mil rebeliões, e a cada uma aparece mais rico e mais potente. Pois resolvemos acabar com isso. Nem mais uma dracma do povo será gasta na guerra.
(p.51-2, grifos meus)


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P.S.: Quem quiser aproveitar, as obras de Marcello Nitsche (inclusive seu clássico Buum!) ficarão na Estação Pinacoteca até o dia 22 deste mês.



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* Eu sei que a idéia inicial do artista não era trabalhar, especificamente, o que está acontecendo agora e, sim, o episódio do 11 de setembro de 2001. Mesmo assim, um dos temas do trabalho é a violência e, portanto, as obras podem ser usadas muito bem para falar sobre o que está acontecendo no mundo hoje.

4 comentários:

  1. vou com certeza!
    'Paz é miserável' é a melhor!
    abraço
    gde poste!

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  2. Assim como você eu também já fui taxada de esquisita por me emocionar com arte. O pior é que além de não conseguir conter minhas emoções, tem horas que não consigo sequer segurar os pensamentos. Daí estou lendo um livro e solto um "ele vai morrer", meio choroso, no meio de uma sala de espera do médico (juro que isso aconteceu comigo). Nessas horas já tive amigo que assobiou e olhou para o outro lado, para que os outros não pensassem que estava comigo. Também já cai na gargalhada à ponto de fazer com que as pessoas em volta entortassem o pescoço para ver o que estava me fazendo rir tanto.

    Mas eu tenho um colega de trabalho que é bem pior. Ele é do tipo que se deixa levar pela música, e toca bateria numa banda de garagem. O cara já tem um jeito esquisitão, é branco demais para os padrões do Nordeste, e fica no ponto de ônibus de óculos escuros e fone de ouvido, tocando bateria no ar. É engraçado porque ele vai acompanhando a melodia da música com a mesma paixão como se estivesse tocando uma bateria de verdade.

    Teve uma vez que ouvi duas mulheres cochichando, dizendo que era melhor sair de perto. Então quase dei uma de doida também porque foi difícil segurar as gargalhadas. Mas pensa que eu contei pra ele? Eu mesma não chego perto quando ele está com fones nos ouvidos, vai que ele acha que minha cabeça é o prato...

    Abraços, Ulisses.

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  3. Ulisses,

    Quem passa mais do que 3 segundos admirando uma obra de arte hoje é completamente esquisitão. Uma vez fiquei por uns bons 40 minutos olhando uma tela do Monet, e todo mundo achava esquisito, até mesmo meus pais, que achavam que eu estava catatônica... hehe
    Mas a arte é uma das melhores coisas,e uma das que ainda se salvam, na minha opinião, nesse caos que chamamos de civilização.

    Ah... o Mexerica atômica virou cherrypopdacherry.blogspot.com . Achei que tinha mais a ver comigo... hehe

    Beijos da futura Cin Charisse

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  4. Ulisses,

    a arte tem esse poder alucinógeno. Eu sou louco pela música e pela literatura. Embora a necessidade tenha me feito enfantizar o mundo acadêmico, eu acho que o conhecimento também é uma forma de arte. E uma arte encantadora, recolucionária, com alto poder de mudança. Assim como a música, a literatura, e todas as formas de arte.

    Quanto a essa de onda de se emocionar e dar uma pinta de esquisita, puta merda, é meio que inevitável.

    Caceres

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