13 de outubro de 2009

Advogados e a censura

###



_____Faz mais ou menos um mês, publiquei um post meiguinho mostrando umas fotos que meus alunos tiraram de uma aula minha. Para explicar algumas das vantagens que os carros de combate proporcionavam aos arqueiros perante o uso de cavalos, coloquei um aluno (leve) nos meus ombros e comecei a pular enquanto ele tentava acertar um colega com pedaços de giz. Os alunos prestaram atenção, divertiram-se e, principalmente, entenderam o conteúdo.
_____Nos comentários da minha postagem, uma preocupada leitora disse “Apesar de desaprovar e achar perigoso vc tocar nos alunos, sua aula é show.”. Longe de ser paranóica, ela, muito esperta, sabe quantos problemas isso pode gerar: a direção pode comer o meu rabo, pais podem reclamar da minha atitude (teoricamente) pouco acadêmica, posso ser demitido e – medo clássico dos dias atuais – dou material para ser processado.
_____Muitos colegas professores já demonstraram o mesmo tipo de preocupação para comigo. Já até ouvi alguns dizendo que queriam fazer algo parecido, mas que acham melhor evitar. Um processo, mesmo sem condenação, pode significar a perda do emprego. Sinceramente, acho triste. Parece que o receio de ser processado tornou-se maior do que o medo de que os alunos não aprendam a matéria.

###


_____Há algumas décadas, professores não ensinavam certos conteúdos, não faziam algumas discussões por medo da repreendas do Regime Militar. Hoje, não o fazem por medo dos advogados – ainda com a anuência do Estado (na figura da Secretaria da Educação, das Delegacias de Ensino, etc.). Tenho dó dos professores e dos estudantes.


###




_____Mesmo sendo algo medonho, se fosse apenas com a Educação o problema seria menor. O fato é que, hoje, os advogados são a nova censura. Agora, qualquer um que pode pagar, pode censurar. Duvidam? Perguntem ao Roberto Carlos. Não gostaram do exemplo? Vamos para histórias mais recentes.
_____Aqui em Sampa, o comentário da vez é o caso Boteco São Bento. Raphael Quatrocci foi ao local, não gostou e fez uma resenha desfavorável em seu blog Resenha em 6. Os donos do boteco, ao invés de pedirem desculpas, arrumarem um modo de melhorar o serviço para evitar críticas ou qualquer outra boa atitude do tipo, entraram com uma notificação extra-judicial ameaçando o blog de processo. Mesmo podendo utilizar exemplos do péssimo atendimento do local espalhados pela net, o blog preferiu tirar a postagem do ar.
_____Outro bom exemplo é um texto escrito pelo Milton Ribeiro, meu vizinho de portal. Nomeado “Uma questão pessoal ou Meus pecados com Euclides da Cunha”, a postagem contava, entre outras coisas, sobre as peripécias do autor em uma escola católica, o Instituto Santa Luzia. Escritor talentoso e com faro para boas histórias, Milton terminou o texto dizendo: “Mas, meus amigos, que romance não daria a vida daquelas freiras, quanto ciúme, quantas querelas, quantos olhares… E quanto conforto, meu deus! Tenho que pensar nisso e dedicar à mana Gerceli, serva de deus!”.
_____Uma graça de texto que merece uma leitura atenta. Entretanto, a citada Irmã Gerceli, demonstrando todo o amor que uma religiosa deve ter, chamou um advogado e o pobre Milton Ribeiro teve de retirar o texto do ar e publicar um calaaboca oficial (também conhecido como retratação). O texto, hoje, só pode ser lido em cache.

###



_____Pode até ser que tanto o Raphael Quatrocci quanto o Milton Ribeiro ganhassem os processos. Mesmo assim, teriam de sujeitar-se a uma dor de cabeça chata, a uma perda de tempo que só serviria para enriquecer advogados. Além de, claro, iriam correr o risco de perder. Um bar com filiais e uma escola particular, por outro lado, são instituições com muito mais grana para investir em advogados, com muito mais pessoal para lidar com a burocracia e um idazinha ao tribunal não iria tirar o sono de ninguém.
_____No fim das contas, o Raphael e o Milton retiraram seus textos. A censura judicial venceu novamente. A Truculência Legal tem muito mais efeito no cidadão comum.

###


_____Quem sai perdendo é a sociedade. Professores ficam com medo de ensinar; alunos perdem boas aulas. Escritores ficam com medo de escrever; leitores perdem bons textos. Quem sai ganhando? Idiotas que não estão interessados em Educação, imbecis que preferem que a as pessoas não pensem, prestadores de serviço que trabalham mal e, principalmente, os advogados.

16 comentários:

  1. Quando fiz faculdade ouvia pelos corredores:
    'Cabeça de juiz e bundinha de neném pode sair qualquer coisa'
    'Advogado NUNCA perde'.

    ResponderExcluir
  2. Trabalho com esta realidade de ameaça de processo todos os dias em uma escola. Sempre que se tenta orientar, dizer não, educar, enfim, tem sempre um pai dizendo que ta errado e que o filhinho tem o direito de fazer o q quiser.
    Onde vamos parar?

    ResponderExcluir
  3. Vivo essa realidade diariamente, e sempre me questiono, por que as autoridades in(competentes) apoio esses tipo de barbária dentro do meio educacional? descobrir a resposta tão obvia: alienados são mais facies de serem governados, pra educar é preciso disciplinar e isso a política não permiti, haja visto o que acontece no senado.

    ResponderExcluir
  4. A paranóia é geral, de pais, alunos e escolas (e nestas, professores e direção). As escolas são lugares de repressão, a relação pedagógica é uma relação cheia de suspeitas, assim como é a relação paternal (e maternal). As crianças são inicialmente violentadas intelectualmente (e as vezes, para horror nosso, fisicamente) em casa e depois nas escolas (aqui, se não sexualmente, mas no tratamento que seus corpos recebem – cadeiras, carteiras, barulhos, controles rígidos, enfim, são ambientes esquizofrenizantes).

    Quanto aos advogados... sabe qual a diferença entre um advogado e uma sanguessuga? A sanguessuga irá embora quando sua vítima morrer.


    Esperando não ser repreendido, vampirizei o texto para o blog fronteiraaberta.blogspot.com. Caso não esteja de acordo, basta informar.

    ResponderExcluir
  5. Já ouviu falar em P$gSeg$ro? Lembra que há um tempo atrás fizemos uma vaquinha? Pois é... Fui sacar o dinheiro doado caridosamente e, adivinha: alguém (?) tinha sacado antes!

    Basicamente invadiram a conta e sacaram 350 reais. Depois de vários e-mails trocados sem resolução, o que me resta: entrar na Justiça contra a toda poderosa U#L... Por 350 reais, quanto tempo vou perder? Vale a pena? E agora, José?

    ResponderExcluir
  6. Rafael com esse valor é possível entrar com o pedido no 'pequenas causas'.

    ResponderExcluir
  7. Alexsandro... Não sou nenhuma santa, mas ao fazer dois anos de estágio desisti da profissão.

    ResponderExcluir
  8. Grande texto!!!
    É isso mesmo... "o receio de ser processado tornou-se maior do que o medo de que os alunos não aprendam a matéria."... infelizmente!!!

    Hahaha... mto boa! Adorei a analogia: "Há algumas décadas, professores não ensinavam certos conteúdos, ... por medo da repreendas do Regime Militar. Hoje, não o fazem por medo dos advogados"
    ... típica de um professor de História, inteligente, realista e consciente.

    ResponderExcluir
  9. Professor, compreendo sua indignação.

    Também sou professor. E a moda agora do aluno é: "Vou chamar o Conselho Tutelar".

    Tudo agora o aluno repete esta frase.

    E o pior é que o Conselho Tutelar é formado por líderes de comunidades de bairro que não entendem nada de lei, não sabem nem ler.

    Na escola de ensino médio que eu ensino, um aluno agrediu fisicamente um professor de Matemática. A direção solicitou a transferência do aluno para outro colégio. Simplesmente, em uma semana, o Conselho Tutelar obrigou que o aluno deliquente estivesse de volta ao colégio.

    ResponderExcluir
  10. [...] Post dedicado, especialmente, à: Douglas (amigo à primeira vista);  Hugo e ao incauto Ulisses. [...]

    ResponderExcluir
  11. O pior que eh vdd, mais o trida nunca machucaria um aluno e nunca vi ngm reclamar das brincadeiras dele. Adoro o jeito que ele da aulas *-*, os alunos participam e todo mundo entende.

    ResponderExcluir
  12. Ro, eu sei disso, obrigado. Já tive más experiências com outras empresas e conheço os trâmites. Mas, perceba a maldade: eu sou um profissinal liberal. Digamos que, em uma tarde de trabalho, ganho o equivalente ao que me foi roubado. O que faço: perco a tarde em uma audiência nas Pequenas Causas para tentar ganhar o que, inevitavelmente, vou perder por deixar de trabalhar?

    ResponderExcluir
  13. Cacete, Ulisses. Teu feed atualizou só agora e eu recebi, de uma só vez, os teus últimos oito posts.

    [voz de paulo Francis]Aqui nos Estados Unidos[/voz de paulo Francis] a situação é ainda pior. Na semana pré-acadêmica do ano passado, logo que entrei na universidade, tivemos uma palestra sobre assédio sexual e tal.

    As lições eram basicamente estas: na dúvida, não faça nada. Não toque, não conte piadas, não faça nada.

    No início eu era MEGA travado com as minhas colegas e alunas. Hoje já sou um pouco mais relaxado, mas ainda assim um pouco diferente do que eu seria no Brasil, estando na mesma situação.

    ResponderExcluir
  14. Adoroo o seu jeito de explicar Trida....poucas pessoas conseguem transformar algo complexo em algo simples de entender e vc sempre consegue fazer isso.....é realmente incrível,sempre tive certa dificuldade com historia por isso sempre evitava mas depois q te conheci o seu jeito de explicar seus exemplos, suas mimícas , suas aulas(do cursinho....rs), tdu...agora causam prazer e nao mais uma aversão...rsrs....admiro sua forma de ser e de se importar com os alunos.

    ResponderExcluir