18 de janeiro de 2016

Autopsicopatia

___Assim como o poeta, o PM é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que não é crime, o crime que deveras comete. Crime, por exemplo, de impedir que as pessoas consigam participar de uma manifestação.* 
___Na terça-feira à tarde, percorri a Avenida Paulista com o objetivo de participar da manifestação contra o aumento das passagens de ônibus e metrô. Ao chegar à esquina da Paulista com a Bela Cintra, poucos metros antes da Praça do Ciclista, local marcado para o início do protesto, fui surpreendido por um cordão-humano de PMs,** que impedia a passagem. Caso alguém duvide, é possível dar uma olhada nesse vídeo.



Fiz esse vídeo agora. PM impede a passagem de qualquer pessoa pra área onde de concentra a manifestação. E estão revistando pessoas nos arredores. Não à repressão! Lutar é um direito!(errata: esquina da Bela Cintra com a PAULISTA, não Consolação.)
Publicado por Giulia Castro em Terça, 12 de janeiro de 2016

___Essa mesma Polícia Militar que não apenas permitiu protestos conta o governo federal, como, também, confraternizou com os manifestantes daqueles eventos. Tirando selfie e tudo

Selfie com a PM

___Já na última terça, com a PM – criminosamente – impedindo o acesso ao protesto pelo caminho mais simples, tentei encontrar uma rota alternativa para me juntar aos outros manifestantes. Dada a quantidade de policiais agindo de maneira ameaçadora pelo caminho, parecia mais fácil fazer baldeação na Sé às 6 da tarde. O único acesso era subindo a rua da Consolação. Lá, o cerco policial fazia um funil, prendendo completamente os manifestantes. Percebi que as coisas não seguiriam por um bom caminho e, pouco depois, sem que os manifestantes dessem nenhum motivo para isso, tudo começou a ficar bem violento. 
___Para que ninguém fale que isso é apenas uma narrativa sem provas, vamos dar uma olhada em um vídeo.


PM impede manifestação em SP
BARBÁRIE POLICIAL | A PM de São Paulo deu mais uma mostra de truculência e repressão nesta terça, 12 de janeiro. O ato contra o aumento das passagens de Alckmin e Haddad foi completamente cercado pela polícia, que simplesmente impediu a movimentação dos manifestantes. O ato partiria da Av. Paulista até o Largo do Batata. Diante do impasse provocado pela PM, os manifestantes realizariam uma assembleia mas, antes disso, a Tropa de Choque investiu com violência contra os ativistas, agredindo de forma indiscriminada até mesmo jornalistas que tentavam registrar as imagens da violência. Nesta quarta-feira, 13, ocorre uma plenária convocada pelo Sindicato dos Metroviários para organizar a luta contra o aumento. A plenária acontece às 18h na sede do sindicato, próximo ao Metrô Tatuapé.
Publicado por PSTU Nacional em Terça, 12 de janeiro de 2016

___Sério, alguém sem uma farda costurada no cérebro consegue justificar as cacetadas que os policiais deram na multidão, perto do 1’30” de vídeo? Parece sensato jogar gás lacrimogênio nas pessoas e pedir para que elas tirem os panos dos rostos? É aceitável a atitude do policial, aos 3’50” do vídeo, dando escudadas em pessoas andando na calçada? E dos seus colegas policiais permitindo isso? Jogar spray de pimenta em quem está filmando agressão policial é correto (4’15”)?  
___Caso alguém consiga demonstrar, em qualquer um desses exemplos, que a atitude dos policiais não foi criminosa, faça-o por favor. Caso contrário, só posso dizer que nas calhas da roda, gira, a entreter a razão, esse comboio de corda que demonstra que esses PMs deveriam estar na prisão. 

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P.S.: A PM toma atitudes criminosas, mas, é sempre bom lembrar: ela está sujeita às ordens do governador.*** Portanto, os crimes que a Polícia Militar comete são crimes do próprio governador Geraldo Alckmin e do PSDB, o seu partido. 
P.P.S.: Mesmo não tendo poder sobre a PM, o prefeito Fernando Haddad, do PT, está ligado ao aumento das passagens. Além disso, não tem a hombridade de condenar a atitude absurda da Polícia Militar e, portanto, como figura pública importante, também tem sua parcela de culpa. 
P.P.P.S.: Lembram daquela gente doce, que andava com unicórnios com crina de arco-íris e se posicionava contra a presença de partidos em manifestações? Pois bem, essas pessoas sempre esquecem que é importante saber quais partidos participam de uma manifestação, para saber quais não participam. E, diga-se de passagem, o vídeo principal desta postagem, o melhor que eu encontrei sobre a violência policial contra a manifestação, foi divulgado pelo PSTU

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* Desrespeitando, portanto, o artigo 5º da Constituição. 
** Ou talvez fosse melhor chamar de cordão-desumano. 
*** O que, claro, não isenta os policiais que cometeram esses crimes. 

8 de janeiro de 2016

Alguém pegou meus livros

Saldão da Martins Fontes

___Ontem, saindo do trabalho na academia de dança, fui aproveitar o maravilhoso saldão da livraria Martins Fontes. Caso algum leitor que more em Sampa esteja interessado, o saldão acontece no último piso da livraria e acabará no dia 10. Recomendo bastante, pois a oferta de livros é grande, bem variada e o desconto é ótimo: 70% para todos os livros!
___Quem, porém, está esperando uma organização de livraria, esqueça. O saldão, como o próprio nome ajuda a imaginar, é exatamente um amontoado do resto. E podem ficar à vontade para pensar em amontoado mesmo. 

Saldão da Martins Fontes

___Logo na entrada, como é possível ver na foto acima, existe uma bancada mais organizada, bonitinha, com os livros que eles devem ter um número maior de exemplares. As bancadas seguintes já estão mais no esquema sebo: um monte de livros, remotamente com a mesma temática, um espremido ao lado do outro. Para terminar, existem umas caixas pelo chão com vários livros e umas bancadas extras ao ar livre. É uma confusão. Mas, para quem não gosta da poeira dos sebos, é uma confusão de livros novinhos e baratos. 

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___Enquanto eu garimpava livros pela bagunça, um velhinho chegou exaltado para a moça do caixa:
___– Ei, você trabalha aqui? Eu escondi uns livros ali naquele canto e agora não os estou encontrando! Alguém pegou meus livros! 
___Meio atrapalhada, ainda atendendo outro cliente, a moça perguntou:
___– Eram livros que o senhor já havia comprado?
___– Não! Eu só escondi em um canto os que me interessavam e saí para procurar mais. Alguém pegou meus livros!! 
___– Desculpa, mas se o senhor não os havia comprad...
___– Eu perdi muito tempo separando aqueles livros. Alguém pegou meus livros!!!
___A pobre moça do caixa, sem saber o que fazer com um cliente que cada vez colocava mais exclamações no final das suas falas, chamou um colega de trabalho. Pacientemente, o outro funcionário foi ajudar o impaciente velhinho a achar “seus” livros perdidos ou a procurar outros exemplares. 
___Eu, que já havia acabado a garimpagem dos livros que meus recursos permitiam, fui até o caixa. A atendente, apesar do bizarro episódio, foi extremamente atenciosa comigo. 
___Ao fundo, mesmo com o outro funcionário ajudando, o velhinho continuava a esbravejar “Alguém pegou meus livros!!!!!”. Pena que ninguém explicou a ele que uma feira de livros não é lugar para “esconder” livros. 

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P.S.: Não, este não é um texto patrocinado. Se bem que achei que valia a pena divulgar o saldão.* Assim como também vale divulgar a Martins Fontes, que é uma ótima livraria e editora. 
P.P.S.: Para quem se interessa por causos em livrarias, recomendo o maravilhoso (e, infelizmente, adormecido desde 2014) [manual prático de bons modos em livrarias].

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* Assim como vale a pena divulgar a Festa do Livro da USP, que acontece todo final de ano. 

2 de janeiro de 2016

Voltando para a tortura (plano de aula)

Resumo
___Propostas para uma aula composta pela leitura do conto “Você vai voltar para mim”, de Bernardo Kucinski, com uma análise oral – feita com a participação dos estudantes. Para aprofundar a análise e o aprendizado do conteúdo, também são propostos exercícios dissertativos (individuais e em grupo, presenciais e para entrega posterior) e a leitura de outros textos.
Duração da aula: 100 minutos.

Objetivos
___Após introduzir o assunto Ditadura Civil-Militar e Atos Institucionais, considero importantíssimo separar, no mínimo, uma aula para falar sobre tortura e – desrespeito aos – Direitos Humanos. Infelizmente, os abusos policiais de hoje são, em muitos casos, uma das heranças malditas da Ditadura e abordar o assunto com os estudantes é uma forma importantíssima de conseguir despertar o senso crítico deles para o tema. É sempre válido demonstrar, também, que não são apenas historiadores a falar sobre determinado assunto e, para tanto, sugiro a leitura, em voz alta, do conto “Você vai voltar para mim”, parte do livro homônimo de Bernardo Kucinski.

Você vai voltar para mim e outros contos

___Além do objetivo óbvio de estimular o contato com a Literatura, a análise posterior do conto permite que os estudantes tenham uma nova abordagem do assunto (além da já tradicional exposição do professor) e enriqueçam o próprio material reflexivo. Essa análise permite que os alunos explorem temas como tortura, prisões, participação civil na Ditadura, usos dos poderes de Estado, influência da imprensa, etc..

Requisitos
- Introdução, em aulas anteriores, dos assuntos Ditadura Civil-Militar e Atos Institucionais.
- No mínimo uma cópia do conto “Você vai voltar para mim”, de Bernardo Kucinski. Se possível, uma cópia para cada aluno.
- Cópias (virtuais ou físicas) do conto “Cenas de um sequestro” (do livro Você vai voltar para mim) e/ou do capítulo “A abertura” (do livro K., relato de uma busca), ambos de Bernardo Kucinski.

Avaliação
___Depois da leitura do conto e de uma análise oral feita com os alunos, dividir-se-á a classe em grupos para responder, por escrito, determinadas questões preparadas pelo professor. Exemplo: “Tendo em vista que diversos exemplos de desrespeito aos Direitos Humanos foram relatados no conto, explicite um deles e explique o seu caráter criminoso.”. Acho importante que, além de questões gerais, o docente formule perguntas que questionem mais diretamente a realidade dos alunos. Ao final da aula, o professor recolherá as respostas a fim de avaliar o desempenho da classe na atividade.
___Para que seja feita uma avaliação individualizada do bom entendimento do assunto, o professor solicitará um exercício – a ser feito em casa e entregue na aula seguinte. Para isso, o professor fornecerá cópias (ou o acesso a cópias) do conto “Cenas de um sequestro”, também parte do livro Você vai voltar para mim, e/ou do capítulo “A abertura”, do livro K., relato de uma busca, também de Bernardo Kucinski. Como se trata de uma tarefa a ser feita em casa, os estudantes terão liberdade para consultar diversos materiais e, portanto, a questão pode ser mais específica, como, por exemplo: “O texto lido pode ser associado a algum Ato Institucional? Justifique sua resposta.”.

Sequência das atividades
1) Exposição oral do professor.
Duração: 10 minutos.
___Retomada do conteúdo da aula anterior. Pequena biografia de Bernardo Kucinski e introdução ao conto.
2) Leitura, em voz alta, do conto "Você vai voltar para mim".
Duração: 10 minutos.
___Se possível, com a participação de alunos que se voluntariem para dar voz a algumas das personagens que têm falas no conto.
3) Análise. 
Duração: 30 minutos.
___Análise do conto com os alunos. O professor começará perguntando as impressões que os alunos tiveram do conto. Após algumas falas espontâneas dos estudantes, o docente formulará questões que ajudem na compreensão de detalhes do conto e do período analisado. Por exemplo: “A participação da imprensa, no conto, foi benéfica para a presa política? Por quê?”; “Como era a liberdade de imprensa durante a Ditadura Civil-Militar?”; “Quais torturas podem ser percebidas na estória?”.
4) Exercício em sala. 
Duração: 40 minutos.
___O professor pedirá para que os estudantes se dividam em grupos de, no máximo, 5 pessoas. Enquanto os alunos se organizam, o professor passará questões no quadro-negro, como, por exemplo: “Tendo em vista que diversos exemplos de desrespeito aos Direitos Humanos foram relatados no conto, explicite um deles e explique o seu caráter criminoso.”. Considero importante que não se proponha mais questões do que os grupos serão capazes de responder, com esmero, no tempo disponível.
5) Lição de casa.
Duração: 10 minutos.
___Logo após solicitar a entrega das questões escritas feitas em grupo, o professor fornecerá cópias (ou o acesso a cópias) do conto “Cenas de um sequestro”, também parte do livro Você vai voltar para mim, e/ou do capítulo “A abertura”, do livro K., relato de uma busca, também de Bernardo Kucinski. O docente explicará que os estudantes deverão ler um dos textos e, individualmente, entregar, na próxima aula, a resolução de um exercício. A questão pode ser a seguinte: “O texto lido pode ser associado a algum Ato Institucional? Justifique sua resposta.”.

Bibliografia
KUCINSKI, Bernardo. K., relato de uma busca. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 69-76.
KUCINSKI, Bernardo. “Cenas de um sequestro”. In.: KUCINSKI, B.. Você vai voltar para mim e outros contos. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 157-162.
KUCINSKI, Bernardo. “Você vai voltar para mim”. In.: KUCINSKI, B.. Você vai voltar para mim e outros contos. São Paulo: Cosac Naify, 2014. p. 69-71.
NAPOLITANO, Marcos. 1964 – História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014.
REIS, Daniel Aarão. “A ditadura civil-militar”. Artigo do jornal O Globo, 31/III/2012. http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/03/31/a-ditadura-civil-militar-438355.asp. Último acesso: 19/XI/2014. 
REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.