Nota: Este é mais um post da série “Vamos ver se eu me ferro profissionalmente.”. O ponto é que, mesmo sabendo que um texto deste pode custar a minha cabeça, sou obrigado a dizer: o preço de ficar calado é maior.
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Ranking
___Viram os resultados do Enem de 2010 publicados na semana passada? Pois bem, reles mortais, morram de inveja: a escola pública em que eu leciono não só está entre as melhores do estado, como, também, é a única pública entre as dez melhores.
___Sabem o que eu acho disso? Acho que isso é uma vergonha! (Droga, falando assim eu pareço o Boris Casoy.).
___Não, não tenho vergonha de dar aula na ETESP. Tenho orgulho. (Tenho vergonha é de ter parecido com o Boris Casoy no parágrafo anterior.). Amo aquela escola, a liberdade que professores e alunos podem desfrutar, o ambiente que permite um bom trabalho, grande parte do corpo docente. A Escola Técnica Estadual de São Paulo é mesmo maravilhosa. Horrível, no entanto, é que ela seja a única pública entre as dez melhores.
___Um quadro assim deveria ser alardeado como uma desgraça. Como é que os jornais não publicam entrevistas e mais entrevistas com o governador, perguntando se ele não tem vergonha na cara? Como pode ser encarado com normalidade que apenas uma escola pública consiga uma boa colocação entre todos os colégios públicos do estado? Ao invés de criticar tal despautério, a imprensa noticiou o fato fazendo lindas reportagens sobre como a ETE São Paulo é maravilhosa.
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Caminho errado
___Claro, é importante mostrar exemplos que deram certo para fornecer o caminho para quem não está tão bem assim. Infelizmente, o exemplo da ETESP não é o melhor, para falar a verdade, ele não é nem possível.
___Para se conseguir o direito de estudar na melhor escola pública da São Paulo é necessário passar por um vestibulinho. Se esse for o caminho, as escolas públicas terão de se tornar lugares excludentes, que só permitem a entrada de alguns privilegiados bem preparados. Tais quais as universidades públicas.
___O caminho para melhorar o ensino público deveria vir de alguns elementos das outras nove melhores escolas de São Paulo –, as privadas. Não que os colégios particulares sejam maravilhosos, perfeitos, altos, loiros, de olhos azuis e barrigas tanquinho. O ponto é que, com raríssimas exceções, qualquer um que pague a mensalidade pode estudar neles. Os colégios do governo – teoricamente – têm de oferecer vagas para todos e, portanto, precisam estar preparados para conseguir bons resultados na mesma condição que os particulares: não importando qual o público atendido.
___Outros elementos importantes, que podem ser facilmente percebidos pelos resultados absurdamente superiores das escolas particulares, é que infraestrutura decente, número razoável de aulas e salários mais respeitosos, geram resultados melhores. Nada disso as escolas públicas têm. Vale dizer, nem a ETESP tem.
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Mentiras
___Já que o resultado da Etec São Paulo foi muito bom, os jornais – incompetentes e/ou parciais – fizeram apenas reportagens acríticas, que não pararam de enaltecer as qualidades da escola. Lendo as matérias, fica-se com a certeza de que a ETESP é a última camisinha da gaveta. Como a situação não é tão poliânica quanto a imprensa noticiou, acho que vale a pena apontar alguns furos.
___Uma das reportagens aceita como explicação para o sucesso do colégio os “professores, que são preparados e motivados”. Realmente, existe muita gente boa no corpo docente da ETESP e eu agradeço pelo “preparado”. E, admito: sou um empolgado. Porém, vamos ser realistas: dá para dizer que alguém fica motivado recebendo R$ 10,00 hora/aula? Isso mesmo, DEZ REAIS por aula! Dez reais para preparar uma aula, dar a aula, atender os alunos fora de sala, corrigir provas. Dez reais. Alguém fica motivado com isso?
___Antes que alguém venha questionar, o aumento, que o governador Geraldo Alckmin anunciou em MAIO, ainda não pingou na minha conta. Dava para ganhar mais, por hora, pedindo esmola – e eu nem ia precisar ter o trabalho de preparar aula.
___Elogios às salas multimídia, à biblioteca, são feitos como se não existissem defeitos. Por exemplo, valia citar como o número de salas multimídia não é condizente com a quantidade de alunos. Ou que as falhas dentro das que existem são bem frequentes. Mas, vou falar do que os jornais deixaram, sem querer, transparecer.
___O G1 disse que a biblioteca da ETE São Paulo tem “20 mil volumes, incluindo materiais de pesquisa”. Se são realmente 20000, eu nem imagino; porém, eu sei que não é um local de fácil consulta. Se o G1 não sabe disso, repito, é por incompetência e/ou por parcialidade.
___Olhem a foto publicada pelo G1.
___Perceberam? Não? Então, parem de olhar para o aluno no meio da foto, olhem para os livros da biblioteca. Vou aproximar a imagem.
___Entenderam? É uma biblioteca, com, teoricamente, 20 mil volumes, e os livros não estão classificados. Olhem como ficam os livros, com classificação, em uma biblioteca séria.
___Todas as lombadas têm uma marcação para dizer qual é a obra. Completamente diferente da biblioteca da ETESP. Como pode se elogiar uma biblioteca em que não se consegue encontrar os livros que se quer?
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Então, na verdade, a ETESP é ruim?
___Não. A ETESP não é ruim. Ela é maravilhosa. Só que não é boa por causa do governo. Por isso mesmo que me incomoda quando, após o bom resultado, aparece um burocrata qualquer, “coordenador do ensino médio e técnico do Centro Paula Souza*”, dando entrevista para a Folha dizendo que “a aliança do ensino básico com o técnico resultou no bom desempenho.” e que “[Nós do Centro Paula Souza] Também estimulamos os professores a cursar uma especialização, mestrado ou até doutorado para se manterem atualizados”.
___Afirmar que o bom resultado vem da aliança entre ensino básico e técnico, demonstra um completo desconhecimento de como a ETESP funciona – já que é a minoria dos alunos que faz o médio e o técnico ao mesmo tempo. Além disso, o senhor “coordenador do ensino médio e técnico” e a Folha podem me explicar como a Escola Técnica Estadual Professor Carmelino Correa Jr conseguiu ter o terceiro pior resultado do estado, já que ela também faz parte do Centro Paula Souza e lá também existe “aliança do ensino básico com o técnico”?
___Quanto ao estímulo aos professores para “cursar uma especialização, mestrado ou até doutorado para se manterem atualizados”, por favor, não que seja proibido contar piadas em jornais, mas é sempre bom não exagerar. Com o salário ridículo que o Centro Paula Souza paga, mal dá para pagar as contas, imagine comprar livros, empreender viagens de pesquisa, arrumar tempo livre para escrever.
___A verdade é que a ETESP conta com professores dedicados (mesmo ganhando mal, muitos dos professores se esforçam ao máXimo para garantir que os estudantes irão aprender), com alunos bem preparados (como é necessário vestibulinho para entrar na escola – e a ETE São Paulo é uma escola muito bem conceituada e disputada –, costumam entrar ótimos alunos) e uma Associação de Pais e Mestres muito ativa (que fornece à escola grande parte das verbas e funcionários que o governo não dá).
___O bom resultado da Escola Técnica Estadual de São Paulo é reflexo dos alunos esforçados e que já chegam bem preparados (e que costumam ter dinheiro para auxiliar os próprios estudos), de ótimos professores (que se dedicam muito, mesmo não recebendo as recompen$a$ devidas), de uma liberdade atípica, de uma comunidade atuante e de muitos outros fatores. Nenhum desses fatores, infelizmente, vindos do poder público. Só que, em época de eleição e de bons resultados, nunca falta algum burocrata inútil ou um político desonesto tomando as glórias da única escola pública fabulosa do estado para si.
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* O Centro Paula Souza é a autarquia do Governo do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, que administra as faculdades de tecnologia e as escolas técnicas, incluindo a ETESP.