31 de dezembro de 2012

Ética

Texto dedicado a todos que, carinhosamente,
já brigaram comigo por alguma reclamação
ou denúncia que eu fiz.

___Steve conheceu Armando no primeiro ano da faculdade de Medicina. Durante a primeira prova, Steve – que muito havia estudado – viu Armando colando. Não o dedurou para o professor, pois não seria ético com o colega.

___No quinto ano, Steve viu Armando pagando para que outro aluno fizesse o trabalho de uma matéria qualquer. Steve não falou nada nem ao professor, nem à direção: uma denúncia iria ferir a Ética Estudantil.*

___Steve conseguiu se formar um ano antes de Armando; mesmo assim, encontraram-se na residência de pediatria. Dedicado, Steve sempre estava tentando aprender com os médicos mais velhos, passava muito tempo no hospital, mas parecia só encontrar Armando quando ia para a copa tomar um café. Até mesmo nos plantões, Armando parecia trabalhar pouco – e dormir muito. “Isso não é da minha conta. Não é ético ficar me metendo...”, pensava Steve.

Residência Médica, por Solon Maia

___Chegando ao fim da residência, os dois se separaram. Steve tornou-se um pediatra extremamente competente, casou e teve quatro filhos. Com o crescimento das crianças e das contas, Steve teve de pegar um plantão em um pronto-socorro e acabou reencontrando o colega de faculdade. Como trabalhavam bem próximos, Steve logo percebeu que Armando não atendia direito, que cometia erros grosseiros, dava até diagnósticos errados. Mesmo assim, nunca comentou nada com ninguém: seria antiético falar mal de um colega.

Doutor Tigrão é colega demais, por Solon Maia

___Certo dia, Clara, uma garotinha de 5 anos, morreu por um erro de Armando. Um erro que qualquer médico competente não teria cometido. A mãe de Clara acha a ética de Steve uma merda.

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P.S.: Eu sei que tem gente que acha errado quando me vê criticando algo ou alguém; sei que isso pode me fazer mal profissionalmente; sei que iriam gostar mais de mim e que eu me daria melhor calando a minha boca. Já diria o grande Emicida, “O jogo é sujo. Vai ganhar mais quem berrar menos.”. Só que, sério mesmo, para mim (e para a mãe de Clara) o preço de não falar nada é muito alto.

P.P.S.: As tirinhas que ilustram o texto são de Solon Maia, o cartunista e médico autor do blog Meus Nervos. Não concordo com muitas das opiniões políticas do Solon, mas o admiro muito por ter coragem de, abertamente, escancarar o que são médicos ruins.

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* Assim mesmo, com “es” maiúsculos.

26 de dezembro de 2012

Falta de talento para dançar

___Expressões idiomáticas podem, em muitos casos, facilitar a comunicação. Ao invés de se dizer muitas frases, explicar pormenorizadamente um assunto, é possível utilizar uma expressão popular para passar a ideia.


___Vale ressaltar: esse facilitar da comunicação, esse passar de uma ideia, pode, muito bem, servir para ofender.


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___Para se praticar dança de salão não é necessária muita coisa: um par, um pequeno espaço livre e música. No entanto, é claro que quanto mais facilitadores existirem, melhor. Bastante espaço no salão é melhor do que pouco; uma roupa confortável;* boa música. E, se o objetivo é dançar, o calçado também ajuda muito. Minha opção preferida, são tênis próprios para dança de salão.


___Esses tênis de dança são tão confortáveis que eu já escrevi sobre eles aqui no blog. E, vale dizer, nem é necessário amputar o dedinho para utilizá-los.


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___Como presente de natal para o filho dançarino, meus pais resolveram me presentear com um par de calçados de dança. Olhem que belos exemplares de tênis.


Tênis novos


___Agora, preste mais atenção à fotografia dos sapatos e tente se recordar dos primeiros parágrafos, quando falei rapidamente sobre expressões idiomáticas (que, vale lembrar, podem ser usadas para ofender).


___Não conseguiu juntar os pontos? Deixe-me ajudar você com outra fotografia dos tênis. Mais precisamente, da sola dos tênis.


Tênis novos - sola


___Compare, agora, as solas dos tênis novos, com a sola dos meus tênis de dança antigos.


Comparando as solas


___Percebeu? Ganhei um par de tênis com dois pés esquerdos!


___Para quem não sabe, dizer “Você tem dois pés esquerdos.” é uma clara crítica ao talento do dançarino, significa que a pessoa não tem capacidade de dançar. Deixo aqui registrado que considerei esse presente um insulto sem par e que não planejo me comunicar com os meus pais até o próximo natal.


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Nota: Caso alguém tenha dificuldade de entender, explico: obviamente eu não fiquei ofendido com o presente. Não acho que meus pais estão me agredindo. Simplesmente o pessoal da Marnet Danças (local em que minha mãe comprou o tênis) deve ter se enganado na hora de enviar o calçado e eu achei que valia a pena escrever uma crônica brincando com o fato.


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* São comuns, nos locais em que se pratica dança de salão, a contratação de dançarinos homens para dançar com as damas. Por conta de preconceitos sociais estúpidos, muitos desses locais obrigam os seus dançarinos a utilizar terno e gravata.


 

25 de dezembro de 2012

Eu amo Jesus e...

___Tendo em vista a temática da postagem de ontem, achei que valia a pena compartilhar com vocês uma doce canção do fantástico Tim Minchin, “I love Jesus”.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=ILa2BFKLJzA[/embed]


___Um feliz natal, cheio de sentimentos cristãos para todos.


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P.S.: Caso alguém ache que eu não fui claro o bastante nas minhas opiniões, deixo mais um vídeo do Tim Minchin, “Pope Song”.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=vWOss04KeGM[/embed]


P.P.S.: Se algum leitor ainda está animado com o tema, mas cansado de ouvir a voz no Tim Minchin, fiquem à vontade para ouvir a minha falando – como convidado no podcast Podfalar. (Clique aqui com o botão esquerdo para ouvir o programa ou, com o direito, aqui para fazer download.).


 

24 de dezembro de 2012

Pergunta aos homossexuais

Papa e o casamento gay, por Alpino


___Li, recentemente, na imprensa: “Papa sinaliza aliança entre religiões para combater casamento gay”. Depois de ler a notícia – e de me lembrar de mil casos de líderes de outras religiões agindo da mesma forma –, uma velha dúvida me acometeu: como um homossexual consegue ser católico, evangélico, judeu, muçulmano ou de qualquer outra corrente religiosa que abertamente o condena?


___Posso não compartilhar da mesma crença, mas entendo os motivos para um homossexual ser religioso, acreditar em alguma divindade, querer algum benefício depois de morrer. O que não faz o menor sentido para mim é alguém escolher seguir uma religião que claramente o condena, que fala do seu modo de vida como um pecado, que luta contra a sua existência e que lhe prevê um castigo eterno.


___Portanto, sério mesmo, alguém consegue me explicar como um homossexual consegue se assumir e ao mesmo tempo continuar professando, por exemplo, a fé católica?


___Se alguém conseguir sanar a minha dúvida, ficarei muito satisfeito. Quem sabe na próxima semana não consigo alguém que me esclareça por que diabos alguém –, seja heterossexual, homossexual ou amante de cabras, – lê a Veja.


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___Agradeço os comentários-resposta desde já e me desculpo de antemão se, de alguma forma, ofendi algum homossexual.


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P.S.: Aproveitando o post, fiquem com uma ótima tirinha do Jesus and Mo.


Twitter do papa


 

21 de dezembro de 2012

Competência médica

___Não costumo esconder minhas opiniões negativas sobre homeopatia. É um pouco difícil levar a sério um tipo de “medicina” que existe desde o século XVIII e não conseguiu nem produzir testes duplo-cegos decentes para mostrar a eficácia dos “medicamentos” comercializados. Exatamente por isso, faço de tudo para me manter longe dos “profissionais” que trabalham com esse tido de engodo.


___Finalmente, agora, depois dos 30, marquei uma consulta com o meu primeiro Clínico Geral. Como não conheço nenhum, escolhi o médico simplesmente pelos horários e pela distância.


___Ao entrar na sala de espera do consultório, já tive meu primeiro calafrio: quadros e símbolos utilizados pelo pessoal da medicina alternativa povoavam o local. A secretária perguntou se era a minha primeira consulta com o Dr. Samuel*; quando respondi positivamente, ela me entregou uma ficha para preencher.


MIB - Teste


___Sentei para escrever. Martelando um prego nas minhas esperanças, li no topo da ficha “Dr. Samuel Torquemada – Clínico Geral e Homeopata”. Apesar disso, parecia uma ficha normal: nome, idade, sexo, estado civil... Até mais ou menos a oitava pergunta: religião. Tentei imaginar justificativas – “Para um médico, isso deve ser importante. Se eu for Testemunha de Jeová, por exemplo, não vou poder receber sangue. Deve ser isso...”. Só que as perguntas bizarras não pararam por aí: hobby, cor preferida, signo. Sério mesmo que o Conselho Federal de Medicina (ou o Regional, não faz diferença) deixa alguém assim clinicar?


___De qualquer modo, eu já estava lá. Entreguei a ficha preenchida. A secretária levou para o médico e, algum tempo depois, fui chamado.


___Fui recebido de maneira cortês. O médico começou a preencher uma ficha própria, com o auxílio da que eu havia preenchido e me fazendo algumas perguntas realmente relevantes como “Toma algum medicamento?” e “Casos de doenças graves na família?”. Até que ele parou na leitura de uma das minhas respostas. Como um juiz saído da ficção de Albert Camus, o médico me perguntou: “O senhor não acredita em Deus?”.


___Impassível, respondi:


___– Não. E digo mais: minha cor preferida é o verde.


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* Nome fictício.

 

18 de dezembro de 2012

Postura

___Sempre ouvi de muita gente que um professor deve saber se portar em sala de aula. “Saber se portar”, para quem nunca ouviu a expressão, pode significar muitas coisas: comportar-se, ter atitudes socialmente dignas, não falar palavrões, não se sentar em cima da mesa, não fazer brincadeiras, falar bem de tudo e todos, ater-se apenas ao conteúdo direto, entrar em sala sempre bem trajado, apagar a lousa antes de sair, cumprir sempre bem os compromissos burocráticos, não usar Maldições Imperdoáveis no campus etc.. Em outras palavras ter postura é agir conforme as regras estabelecidas, nunca questioná-las e não incomodar ninguém.

___Eu discordo.

___E, vale dizer, não discordo simplesmente porque, em sala de aula, costumo ter atitudes como a da foto abaixo.

Mauricio Ulisses Trida em sala de aula

___Discordo porque, para mim, um professor que sabe se portar em sala de aula é alguém que ensina. Só isso. Se segue ou não as regras, se é doce ou azedo, se se veste bem ou mal, tudo isso não importa. Um professor tem de ensinar. Todo o resto é perfumaria.



13 de dezembro de 2012

Viajando

___Acho bacana que professores, às vezes, saiam de perguntas diretas sem muita reflexão fora do conteúdo em si e tentem aproximar suas matérias do cotidiano. O problema é que se essa aproximação não for bem feita, o exercício pode ficar meio ridículo.


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___A questão abaixo caiu em uma prova de vestibular deste final de ano.




___A carta e a foto, a seguir, foram enviadas por Cibele a seu primo Fernando que, como ela, também gosta muito de viajar.


Ruínas da cidade maia de Chichén Itzá
Carta da questão 40


___Fernando, lendo as dicas de sua prima, descobriu corretamente que esse país é
a) o Canadá.
b) o México.
c) a Bolívia.
d) o Egito.
e) o Peru.



___Como eu disse, tentar aproximar a matéria do cotidiano é louvável, mas é bom tomar cuidado para não beirar o ridículo. Ao ler essa questão, fiquei pensando como seria surreal cartas escritas assim.


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Oi, Fernando.


___Fiquei contente de ver que você adivinhou facilmente que eu estou no México. Vou ficar mais contente ainda se, na próxima carta, você disser que vai me ajudar a custear esta viagem. Por favor, só as duas últimas parcelas do meu pacote da CVC. Você vai ver, o valor nem é tão alto assim: o pacote ficou em R$ 4.944,24 e eu combinei de pagar em 8 vezes. Já sabe o quanto você vai pagar?


___Deixando esses assuntos chatos de lado, estou achando a culinária mexicana fantástica. Mesmo já tendo ido parar no hospital por duas vezes, estou comendo de tudo. O prato que eu mais gostei, até agora, é um que eu já conhecia: os burritos. Aqui, eles são muito mais saborosos. Meus preferidos são aqueles que abusam de um condimento que tem 18 moléculas de Carbono, 27 de Hidrogênio, 1 de Nitrogênio e 3 de Oxigênio. Reconheceu esse tempero?


___Para que eu não me alongue muito mais, termino com uma última perguntinha para você: minha última parada aqui no México será em Canutillo, no estado de Durango. Sabe quem passou os últimos anos de sua vida aqui? Se você precisar de ajuda para responder, talvez o pessoal da cidade de Columbus, nos Estados Unidos, possa ajudar você.


Saudades,


Cibele.


 

1 de dezembro de 2012

Dedos afiados

___Amiga nova, depois de ler alguns dos meus textos:
___– Nossa, Ulisses, você é tão doce no dia a dia. Nos seus textos você é sarcástico, encrenqueiro, grosso...


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___Possibilidades de resposta:
1) “Obrigado. São seus olhos.”
2) “É porque eu me expresso melhor escrevendo.”
3) “Você acha que eu pego pesado nos meus textos? Isso é só porque você ainda não me viu dando aula de História.”