31 de julho de 2013

Viagem a Salvador – Fotos e comentários esparsos

___Nunca fui muito fã de ficar vendo fotos de viagem. As pessoas insistem em mostrar um conjunto interminável de fotos que raramente são interessantes e nunca são bem tiradas. Sempre acho melhor olhar uma fotografia bem feita, de alguém que sabe tirar fotos, mas que eu não conheço, do que olhar a do meu amigo encobrindo com a cabeça a metade da estátua que ele resolveu fotografar. 
___Eu gostaria muito que as pessoas pegassem o costume de mostrar apenas as 10 melhores fotos da viagem. Ou, pelo menos, que tivessem sempre boas histórias ou comentários para cada uma das fotos. 
___Posso não ser um grande fotógrafo, mas tenho alguns comentários sobre algumas coisinhas que eu vi em Salvador. Portanto, caso alguém se interesse, segue o texto.
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Intolerância religiosa
___Apesar da postagem engraçadinha sobre minha “conversão” ao protestantismo, fiquei impressionado como até na Bahia existe uma intolerância cristã ativa contra o candomblé. Até mesmo no Dique do Tororó, famoso por suas estátuas de orixás.
___Como uma explicação turística para quem vai olhar as estátuas, foi colocada uma placa na margem do Dique falando um pouco de cada um dos orixás que estão no local. Algum religioso intolerante foi até a placa e a depredou. 
Intolerância religiosa no Dique do Tororó, Salvador (BA)
___Antes que alguém diga que foi uma depredação sem cunho religioso, aconselho uma olhada mais detalhada. Percebam como apenas o rosto das imagens e a fotografia das estátuas na água é que sofreram depredação. 
Intolerância religiosa no Dique do Tororó, Salvador (BA)
___Ah... é tão bom ser sempre lembrado de que “Deus é amor.”. 
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Carrocracia
___Infelizmente Salvador entra na lista das cidades em que os carros são tratados com mais cuidado e respeito do que as pessoas. Olhem o que acontece em diversas ruas:
"Cuidando" dos pedestres, Salvador (BA)

"Cuidando" dos pedestres, Salvador (BA)
___Para que os carros tivessem um liso e perfeito asfalto para trafegar, as ruas foram constantemente recapeadas. Para os automóveis, tudo às mil maravilhas; por outro lado, para os pedestres as coisas não andam tão bem. O recapeamento constante foi deixando o asfalto cada vez mais grosso, afastando-o do chão original. A sarjeta continuou na altura original, enquanto o asfalto foi ficando cada vez mais alto. 
___O resultado, como se pode facilmente perceber pelas fotos acima, foi a formação de uma pequena cratera entre a calçada e o asfalto. Se o objetivo do governo soteropolitano foi construir armadilhas para machucar pedestres por toda a cidade, podem apostar que ele foi bem sucedido. 
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Destruindo o passado
___Para uma cidade que tem o turismo como uma fonte de renda tão importante, não me parece muito inteligente a completa falta de cuidado ao se preservar o passado. É triste, por exemplo, ver como permitiram que o moralismo destruísse parte dos seios de uma das personagens desses azulejos portugueses, feitos por Bartolomeu Antunes de Jesus, no século XVIII. 
Azulejos portugueses de Bartolomeu Antunes de Jesus (século XVIII) depredados pelo moralismo, Convento da Igreja de São Francisco, Salvador (BA)

Azulejos portugueses de Bartolomeu Antunes de Jesus (século XVIII) depredados pelo moralismo, Convento da Igreja de São Francisco, Salvador (BA)
___O problema, infelizmente, não fica só na depredação. Mais triste ainda é notar que dificilmente devem contratar historiadores em Salvador para cuidar de museus, igrejas turísticas e afins. É possível perceber isso tanto pelas obras expostas sem indicações minimamente aceitáveis*, como, também, pela preservação inexistente de alguns locais. 
Túmulo não preservado, Igreja de São Francisco, Salvador (BA)

Túmulos não preservados e depredados por quem deveria cuidar deles, Igreja de São Francisco, Salvador (BA)
“Mármore antigo com alguma gravação? Túmulo? Dane-se! Eu tenho que passar um cano por aqui.”
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Fabricando o passado
___Costuma ser salutar desconfiar de homenagens públicas. Em Salvador, não são difíceis de encontrar algumas dessas homenagens ao ACM.
Homenagem ao escroto do ACM, Mercado Modelo, Salvador (BA)
___Para mim, placas como essa parecem simplesmente uma safadeza de um político usando o dinheiro público para forjar o passado. Como é fácil ver o que já passou de maneira mais positiva do que foi de verdade, nada como espalhar homenagens pela cidade para que visitantes, novos cidadãos ou pessoas de memória fraca passem a pensar “Puxa, com tantas homenagens... Esse homem deve mesmo ter sido mesmo bom.”. Já eu acredito que se trata muito mais de um caso próximo ao cara que compra um carro caro tentando compensar alguma coisa.
___De qualquer modo, o modo como eu encaro pode estar errado. Talvez a realidade pode ser muito mais triste, talvez realmente as pessoas quiseram homenagear o Antônio Carlos Magalhães. 

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* Com a honrosa exceção do Museu Náutico da Bahia, no Farol da Barra.  

21 de julho de 2013

Bota na conta do papa? Não. Bota na conta de todo mundo.

Gastos do papa
___Desde que os gastos públicos com a visita do papa Francisco foram divulgados, diversos grupos começaram a reclamar. Algumas reclamações, como a da Rede Record, pertencente à Igreja Universal do Reino de Deus, dão certa vontade de rir: “cada vez mais a cultura nacional está bem mais diversificada em sua prática religiosa. Por que tais grupos não católicos teriam interesse de ver o dinheiro dos seus impostos irem para uma grande celebração de uma única e exclusiva fé?”. Mesmo assim, questionar tal gasto é algo completamente válido.
___Grupos católicos, obviamente, tentaram justificar os gastos. Não sou eu que vou fazer a tréplica (ainda mais porque argumentos como “o papa é um chefe de Estado e tem de ser recebido como tal” são mais do que risíveis; até parece que o Chico I veio para o Brasil para negociar acordos de comércio bilateral).
___Sinceramente, o ganho que eu vejo com essa discussão é que ela pode servir para trazer foco para outro ponto extremamente importante. Um ponto, diga-se de passagem, que, aqui no Brasil, pode incomodar muito tanto a igreja católica, quanto as evangélicas. E outras religiões também. O Governo gastar tanto – ou simplesmente gastar – com um evento religioso é um disparate por um simples motivo: aqui no Brasil, um Estado teoricamente laico, as religiões continuam isentas de impostos (artigo 150 da Constituição).
___Doações de fiéis não são tributadas pelo Estado. Mais do que isso: quem doa não assina algum tipo de nota dizendo o que ou o quanto doou. Portanto, religiões são, além de tudo, terrenos férteis para se lavar dinheiro. E sem a obrigação, vale lembrar, de devolver algo à sociedade. Por que, então, a sociedade é que tem de devolver algo às religiões?
___Não estou pregando para que acabem com as religiões, mas a luta para que o clero pague impostos existe bem desde o século XVIII. Por que, em pleno século XXI, o lobby religioso ainda é tão forte que consegue se manter sustentado por toda a sociedade?
___Torrar uma grana preta por conta do papa é ruim? Claro. Só que é mais importante ainda não esquecer que pagamos, na verdade, as contas de toda e qualquer religião. O tempo todo.

19 de julho de 2013

Dormindo com Isabel Allende

___Voltei de Salvador, mas caí doente por conta de uma intoxicação alimentar. Pelo menos isso rendeu uma foto fofa que a minha esposa tirou.
Mauricio Ulisses Trida e Isabel Allende
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___A cachorrinha na foto, como deve ser possível imaginar pelo título, chama-se Isabel Allende. 
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P.S.: Para os leitores com boa memória, eu e a minha esposa arrumamos a Isabel Allende para tentar deixar a nossa cachorrinha mais velha, a Cleópatra VII, mais corajosa. Vale dizer, deu bastante certo. 

14 de julho de 2013

Como eu me converti

___Quem duvidava do meu ateísmo, tinha muita razão. Eu me converti ao protestantismo mais rapidamente do que qualquer um poderia imaginar.
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___Neste mês de julho, vim passar uns dias em Salvador. Meu plano é me divertir nas férias escolares e, nesse ínterim, estudar dança de salão e pesquisar História. Só que, aqui em Salvador, a cada dez passos aparece algum jineteiro* tentando amarrar uma fitinha do Senhor do Bonfim no seu braço e, então, “guiar” você para os pontos turísticos mais legais da Bahia. 
___É uma experiência divertida deixar-se guiar por um maluco que quer mostrar mil conhecimentos histórico-populares, enquanto conta algumas anedotas pessoais ou reclama da prefeitura. Só que isso tem graça (e vale o dinheiro que o cara pede como contribuição “voluntária”) apenas umas duas, três vezes.
___Tentei me desvencilhar desses jineteiros de diversas formas. Ser educado, dizer que não é necessário, que eu já conheço a tal igreja ou que eu já fui ao Pelourinho umas oito vezes nesta semana, sempre é um processo lento. Ser mal-educado, virar as costas e ir embora, funciona, é rápido, mas não é uma atitude muito bacana. Eu estava em um impasse, até que descobri como resolver o assunto rapidamente, de maneira completamente doce: virei evangélico.
___Assim que aparece alguém querendo amarrar uma fitinha do Senhor do Bonfim no meu braço, logo respondo que a minha religião não permite, que, para mim, aquilo é pecado. Peço para que Jesus guie o rapaz, mas que infelizmente eu não posso ficar com ele. Magicamente, a insistência só dura mais umas duas frases e o jineteiro desaparece.
___Portanto, caros amigos, para todos os fins e efeitos, até sair da Bahia, eu sou evangélico. ;-)

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9 de julho de 2013

Você PRECISA do meu produto, sua feia!

___Sempre me impressiona como a indústria da beleza consegue ser agressiva e como ela é deletéria. Recentemente, cruzei com essa propaganda sobre o desodorante Bí-O Clarify, da Garnier:
___Como lucro parece nunca ser o bastante, as empresas se esforçam para criar demandas. Mesmo que seja para o mais inexistente dos mercados. 
___Há 10 anos, axilas escurecidas eram praticamente uma não-questão. Só que, para a indústria dos produtos de beleza, é necessário vender mais desodorantes, cobrar mais pelos já existentes e eternamente – fingir – se renovar. Portanto, novos problemas são buscados. 
___Prestem atenção nas axilas “absurdamente” escurecidas da moça da propaganda, aos 7”. 
Axilas escurecidas?
___É exatamente um caso de não-problema. Se uma moça assim precisa clarear as axilas, é melhor todo mundo amputar os braços. 
___Com uma bizarrice dessas cria-se um mercado consumidor? Sem dúvida. E com isso também se cria uma geração de homens preconceituosos e escrotos que buscam essa beleza irreal, que rejeitam esse “defeito”. E, pior, criam-se mulheres infelizes, insatisfeitas com elas mesmas. 
Muriel - Gisele, de Laerte.
___Como reagir? É preciso ridicularizar ao máximo essas iniciativas, mostrar o tempo todo como isso é imbecil, como esse lixo normalmente é desnecessário. E, mais importante, é necessário não comprar.
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P.S.: Antes que alguém cite a linda campanha da Real Beleza, da Dove, eu tenho a seguinte resposta
P.P.S.: Mantendo-se no tema, vale citar a reação à campanha anti-pelos masculinos da Gillette. E, mais ainda, o ótimo texto da Aline Valek.
P.P.P.S.: Saindo um pouco do tema, linko um texto meu, de 2010, sobre unhas e esmalte


2 de julho de 2013

The Boys – Quadrinhos adultos?

The Boys #14
___Comecei a ler a HQ The Boys, de Garth Ennis, depois de receber as mais fortes recomendações. Até procurei algumas resenhas pela internet e só encontrei os mais desmedidos elogios. A base dos louvores à HQ é que se trata de “quadrinhos de super-heróis realmente para adultos”, com muita ironia e violência. Sem dúvida, algo “Genialmente doentio”.
___Li, até agora, os 14 primeiros números – quatro arcos narrativos completos. Sinceramente, não me parece uma HQ “realmente para adultos”, mas, simplesmente, quadrinhos escritos e desenhados por adolescentes que jogaram muitos videogames sangrentos. Realmente The Boys, com a pena de Darick Robertson, mostra imagens mais pesadas do que quadrinhos comuns, no entanto me parece que se trata apenas de uma HQ que tenta se levar muito a sério por ter “coragem” para falar “abertamente” sobre sexo e violência.
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___A sinopse introdutória que a HQ faz de si mesma é a seguinte:
Num mundo onde heróis fantasiados elevam-se aos céus e vigilantes mascarados espreitam na noite, alguém teria de cuidar para que os ‘supers’ não saíssem da linha. E alguém cuidará.
Billy Açougueiro, Hughie Mijão, Filhinho da Mamãe, O Francês e A Mulher são The Boys: uma equipe financiada pela CIA composta por pessoas perigosíssimas, cada um dedicado a lutar contra a força mais perigosa da Terra – superpoderes. Alguns super-heróis têm que ser observados. Alguns têm que ser controlados. E alguns deles – de vez em quando – têm que ser tirados de cena.
É quando você chama The Boys.
 
___O mote, não nego, é bem promissor. O problema está exatamente na execução. 
___Um dos pontos altos da HQ está exatamente em tirar sarro e ironizar as histórias clássicas de super-heróis. Para dar um exemplo próprio do universo do The Boys, não deixa de ser um furo das histórias em quadrinhos clássicas deixar de problematizar como um herói com superforça ou supervelocidade consegue transar. Será que o parceiro do herói não sairia machucado? A HQ de Garth Ennis trabalha bem com esse ponto. 
The Boys #4 - Sexo com um super-herói
___Só que é bom não brincar com fósforos se não se quer começar um incêndio. Apontar os furos dos outros e esquecer os próprios é sempre um problema. 
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___No sexto número, Billy Açougueiro justifica um grupo secreto para “tomar conta” dos super-heróis explicando o conceito de taxa de tolerância para baixas. “Tolerância de baixas é um limite fixado para unidades táticas da polícia no resgate de reféns: se você perder menos de 20% dos indivíduos que veio resgatar, digamos assim, então tudo está correto. Ninguém perde o emprego por causa disso. Exceto que para supercaras a tolerância é de 60%.”. A tolerância alta para super-heróis se dá exatamente porque eles não tiveram nenhum treinamento e, por isso mesmo, são muito amadores, fazem muita merda. 
___Em meio às ações dos super-heróis mal treinados, muitos inocentes sofrem. Como é possível ver no primeiro número, com a morte da garota de Hughie Mijão.
The Boys #1
___O problema é que a mesma HQ que aponta o furo que é imaginar que super-heróis sem treinamento têm muita chance de errar e ferir inocentes, comete o mesmo erro. Um grupo teoricamente preocupado com o bem estar de inocentes perante poderes super-humanos mal treinados, coloca Hughie Mijão, com superpoderes e sem treinamento, em ação. 
___Fácil criticar o rabo alheio e difícil olhar o próprio.
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___Minha crítica, entretanto, não está pautada apenas em uma escorregada pontual. Outro ponto que me incomoda nessa “HQ realmente para adultos” está no fato de que Garth Ennis e Darick Robertson não parecem ter crescido tanto assim. 
___A montagem das histórias e os desenhos parecem progredir pouco além de um moleque machista, com uma criação tradicional, que afirma sua masculinidade tratando violência como algo banal e tentando se mostrar à vontade quando o assunto é sexo. 
___De tudo o que eu li até agora, o sexo é sempre tratado como algo sujo, errado, pervertido. Para um quadrinho com tanta “coragem” para falar de violência e mostrar rostos esmagados, dedos arrancados e mais sangue do que um filme do Tarantino, é impressionante que, ao falar de sexo, nenhuma genitália tenha aparecido. E falando de mostrar algo, como é comum na nossa sociedade machista, homens mostram, no máximo, o traseiro. Por outro lado, bundas e peitos, assim como outros atributos femininos, aparecem à exaustão. 
___O auge da infantilidade em relação ao sexo aconteceu no terceiro arco narrativo – “Pegue um pouco” –, ocorrido entre os números 7 e 10. Um dos destaques dessa história é o super-herói Tek Knight, que desenvolve a tara incontrolável de querer foder com qualquer coisa, em qualquer lugar. No epílogo, Tek Knight salva o mundo ao enfiar o pinto em um buraco de um meteorito “que parece ter matéria orgânica no interior”. 
The Boys #10
___Essa forma infantil de encarar o sexo leva a incontáveis atitudes e falas moralistas na boca das mais diversas personagens. Muito mais do que quadrinhos revolucionários, The Boys me parece caminhar por um caminho muito mais reacionário. Todo um ar de crítica e quebra de paradigmas, mas reacionário. 
___Talvez eu esteja errado, talvez a continuação da HQ seja muito mais profunda. Não que seja necessário algum superpoder para salvar The Boys, mas é bom que a revista cresça bastante para que eu ache que vale a pena continuar lendo os mais de 50 números que restam.