30 de março de 2012

Swingueiros do mundo, uni-vos! – O vídeo

___Em fevereiro, anunciei que eu iria participar da gravação de uma coreografia de lindy hop que seria executada no mundo todo. Agora, finalzinho de março, o vídeo com todas as filmagens ficou pronto. Segue abaixo. (Eu sou um dos caras que está a dançar com o Masp ao fundo.).


[embed width="550"]http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=MXbHx0dplHU[/embed]
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P.S.: A brincadeira de dançar a mesma coreografia pelo mundo todo foi organizada por uns físicos canadenses. Eles utilizaram o vídeo acima em uma palestra no TEDxWaterloo. Se a fala dos físicos for bacana, quando o vídeo dela for liberado, linká-la-ei por aqui.
P.P.S.: Adorei usar uma mesóclise com um verbo com “K”.

27 de março de 2012

Repressão e (falta de) Photoshop

___Faz uns dias, o Rodrigo Chaves, do Contratempos Modernos, publicou uma tirinha que, creio eu, encaixa muito bem no modo como a polícia do estado de São Paulo (comandada pelo PSDB e seus sequazes) costuma agir.


Lei e Ordem, por Rodrigo Chaves


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___É bacana ver corporações que tentam manter tradições, não? Vale lembrar que, desde 25 de outubro de 1975, bem antes de inventarem o Photoshop as forças de repressão em São Paulo não se importam de contratar funcionários que não sabem utilizá-lo. ;-)


Vladimir Herzog - 25/X/1975

26 de março de 2012

A culpa não foi do Thor

___No último dia 17, Thor Batista, o filho do homem mais rico da América do Sul, atropelou e matou o ciclista Wanderson Pereira dos Santos. A reação de grande parte da sociedade foi de atacar e condenar o rapaz. Eu, por outro lado, venho aqui defendê-lo. Mais do que isso, afirmo que a culpa não foi de Thor.
___Não estou dizendo que o que Thor Batista fez foi correto. O resultado do inquérito ainda não saiu e, portanto, culpado ou inocente, por enquanto, ele nem tem como ser. O que venho aqui afirmar é que grande parte do que aconteceu não foi causado por Thor, mas, sim, por toda a sociedade.
___Foi a sociedade como um todo que montou o cenário para essa tragédia. Fomos nós que permitimos tal violência. Nós que apertamos o acelerador da Mercedes SLR McLaren.
___Para começar do básico, ensinamos para Thor que sua cor de pele, suas roupas e sua conta bancária fariam com que a polícia só se aproximasse dele como força protetora, auxiliadora, nunca repressora. Thor recebeu sempre, automaticamente, o respeito e a ajuda dos policiais. Não foi à toa que, nesse último acontecimento, por mais que seja importantíssimo manter a cena do acidente o mais intacta possível para averiguações policiais, o carro foi retirado do local e, mais ainda, hoje se encontra em poder do investigado, e não nas dependências da polícia. Ao contrário do que acontece com muita gente, o poder público não suspeita de Thor, confia nele e acredita que nada será alterado no veículo.
___Nós demonstramos para Thor o que significa impunidade. No período probatório, mesmo sem poder cometer nenhuma infração, o filho de Eike Batista cometeu 5 por excesso de velocidade e, mesmo assim, conseguiu sua habilitação definitiva. Depois disso, cometeu mais infrações por excesso de velocidade, atropelou outro ciclista e disse publicamente em uma entrevista que fez “280 quilômetros por hora na Dutra”. Nem o poder público, nem seu pai – que não vê nada de errado quando o filho comete irregularidades –, fez nada para punir minimamente o rapaz.


GTA - Thor - por Kibe Loco e Anões em Chamas


___Por fim, vivemos em uma sociedade carrocrata. Caso seja necessário alguma explicação sobre isso, cito aqui uma construção que eu adoro de Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa:




“Assim como os antigos sacrificavam colheitas, gado e até os filhos a ídolos e ícones aos quais seus sacerdotes atribuíam poderes imensos e uma profundidade insondável, a humanidade da era industrial sacrifica tempo, espaço, riquezas naturais e, às vezes, as próprias vidas a essas máquinas às quais os publicitários atribuem virtudes igualmente mágicas. Até as guerras empalidecem ante as estatísticas do trânsito, sem que isso inspire tanto horror quanto seria de esperar. Trata-se de sacrifícios humanos socialmente aceitos.”*.



___Louvamos os automóveis e ignoramos os problemas que eles causam. Associamos carros não a burrice, falta de liberdade, perda de tempo, pensamos da maneira contrária, associamos automóveis a poder. Em um país cujo limite máximo de velocidade é 120 Km/h, temos carros que chegam a 170, 200, até mais de 330, como no caso do carro que Thor dirigia. Como é permitido uma bizarrice dessas? Só mesmo em uma sociedade que, ao invés de dirigi-los, é dirigida pelos automóveis.
___Vivendo em uma realidade assim, bombardeado por todos os lados para pensar segundo a mentalidade carrocrata, Thor não vê nada de errado em andar com o seu carro. Considera que atropelamentos são acidentes, fatalidades que acontecem. Thor sente-se másculo correndo. O resultado de tudo isso pôde ser visto no último dia 17 – ou em incontáveis outros “acidentes” causados por excesso de velocidade e afins por ruas e estradas Brasil afora. Podem apostar que teríamos um quadro razoavelmente diferente se aparecesse nos comerciais, na mesma proporção em que aparecem propagandas de carros velozes em ruas sem trânsito, vídeos como esse aqui.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=v2vDCucSxJo[/embed]


___Portanto, meus queridos, enquanto perpetuarmos um classismo e um racismo imbecil, encararmos a impunidade e truques para se burlar a lei como algo aceitável e continuarmos a louvar automóveis, quadros como esse só vão se repetir – e a culpa não poderá ser atribuída apenas ao riquinho inconsequente. A verdade é que, em maior ou menor grau, nós todos somos cúmplices do que aconteceu.


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P.S.: Antes que alguém resolva me bater nos comentários, recomendo a leitura dos ótimos textos de Eliane Brum e de Maria Paola de Salvo.


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* Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa, “O totem do capital”. In.: Carta Capital. Abril, 2007.

19 de março de 2012

Falta de autoestima para dançar

___Salão cheio. Encostada em uma parede, uma menina de cabelos cacheados que toda semana aparece para dançar. Na troca de música começa a tocar “Caminho pro interior”, da Bruna Caram, e eu vou tirá-la para dançar.
___– Gostaria de dançar?
___Sorrindo, com um olhar levemente tímido, ela responde:
___– Puxa, mas bem no samba de gafieira? É o meu pior ritmo...
___– É bolero –, respondo.
___A mudança no rosto da moça foi instantânea. Os olhos ficaram cheios d’água, o sorriso desapareceu.
___– Sério? Você acha mesmo que bolero é a minha pior dança? Eu achava que bolero eu dançava direitinho...
___Rindo da confusão, expliquei: “Eu não disse que bolero é o seu pior estilo. Eu quis dizer que está tocando bolero, não samba.”.


16 de março de 2012

O Jumento de Jesus. O Jesus do Jumento.

___Reproduzo abaixo o e-mail que algumas pessoas queridas, talvez preocupadas com minhas escolhas, com o meu modo de pensar ou algo do tipo, resolveram me enviar.




O jumentinho de Jesus!
___Um jumentinho, voltando para sua casa todo contente, fala para sua mãe:
___– Fui a uma cidade e quando lá cheguei fui aplaudido, a multidão gritava alegre, estendia seus mantos pelo chão... Todos estavam contentes com minha presença.
___Sua mãe questionou se ele estava só e o burrinho disse:
___– Não, estava levando um homem com o nome de Jesus.


O Jumento de Jesus. Jesus do Jumento.


___Então sua mãe falou:
___– Filho, volte a essa cidade, mas agora sozinho.
___Então o burrinho respondeu:
___– Quando eu tiver uma oportunidade, voltarei lá...
___Quando retornou a essa cidade sozinho, todos que passavam por ele fizeram o inverso, maltratavam, xingavam e até mesmo batiam nele.
___Voltando para sua casa, disse para sua mãe:
___– Estou triste, pois nada aconteceu comigo. Nem palmas, nem mantos, nem honra... Só apanhei, fui xingado e maltratado. Eles não me reconheceram, mamãe...
___Indignado o burrinho disse a sua mãe:
___– Porque isso aconteceu comigo?
___Sua mãe respondeu:
___– Meu filho querido, você sem JESUS é apenas um jumento...
LEMBRE-SE SEMPRE DISSO!



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___Que relato lindo, não? Lindo, aberto, respeitoso, mas, lamento dizer, incompleto. Ainda bem que sou uma pessoa doce e de bom coração e, portanto, aproveitarei a oportunidade para compartilhar com quem me escreveu e com os leitores do blog a continuação da historinha.




O Jesus do Jumento
___Algum tempo depois, ainda abalado com o duro aprendizado, o pobre jumentinho avistou o tal Jesus novamente. O animal percebeu que, dessa vez, o homem não estava montado em nenhum jumento e resolveu ver o que aconteceria com ele.
___Para a grande surpresa do bichinho, Jesus foi muito maltratado: arrancaram suas vestes, chicotearam-no, colocaram uma coroa de espinhos em sua cabeça. Riam dele e nele cuspiram. Pouco depois, com chicotadas, colocaram Jesus para caminhar, carregando uma enorme cruz.
___Intrigado, o animal acompanhou o calvário do homem para ver o que aconteceria. Pobre jumento, se ele soubesse a cena que viria a seguir, todo o sofrimento que iria presenciar, teria ido embora: no alto de uma colina, pregaram Jesus na mesma cruz que, pouco antes, ele havia carregado. Depois de perceber que deixariam o tal homem exposto por algum tempo, triste, o jumentinho se virou e voltou para casa.


Jesus maltratado


___Ao encontrar sua mãe, o pobre animal relatou tudo o que viu. A jumenta ficou sem saber o que dizer. Os dois mantiveram um silêncio reflexivo por alguns instantes.
___De súbito, em um momento de inspiração típico de uma personagem orwelliana, o jumentinho virou para a mãe e disse:
___– Minha mãe querida, você tinha razão: eu, sem Jesus, sou apenas um jumento. No entanto, Jesus, sem algum jumento a levá-lo nas costas sem questionar, fica em uma situação bem pior.


13 de março de 2012

O desaparecer das faixas ignoradas

___Era uma vez, no cruzamento sem semáforo da Rua São Carlos do Pinhal e o encontro entre a Alameda Rio Claro e o calçadão conhecido como Alameda das Flores, três doces faixas de pedestre. Uma delas, na Rio Claro, auxiliava os pedestres a atravessassem a extremidade da rua.


Antiga faixa da Alameda Rio Claro


___As outras duas, ficavam na São Carlos do Pinhal e ajudavam os pedestres que vinham da Alameda das Flores, ou de qualquer uma das calçadas da Rio Claro, a atravessarem a rua. Nenhuma das faixas recebia muita atenção dos motoristas – que só costumavam parar para os pedestres em dias com eclipses lunares de anos bissextos.
___Como se já não fosse bastante ruim para o ego das pobres faixas serem ignoradas a toda hora pelos motoristas, algum burocrata – que só deve andar de automóvel – achou que três era um número exagerado e decidiu eliminar uma delas. “Como eu considero os carros mais importantes que os pedestres, acho que vou eliminar um pouco mais do espaço de segurança daquelas pessoas chatas, hohoho...”.


Rua São Carlos com Pinhal com a Alameda Rio Claro - uma faixa a menos


___Como garantia de que os pedestres não usariam mais a faixa falecida e mal enterrada/apagada, acrescentaram grades no local em que antes existia o acesso à faixa. Aposto até que se fossem perguntar a opinião dos motoristas que ignoram as faixas, eles responderiam que “Seria bom colocarem grades em todas as calçadas do mundo para que esses pedestres parem de atrapalhar tanto.”.


Grades para impedir os pedestres de se movimentarem pela antiga faixa - Rua São Carlos do Pinhal


___Talvez seja exatamente esse pensamento (de que é necessário fazer com que os pedestres atrapalhem menos os carros) que norteou o maluco que chegou à conclusão que as duas faixas restantes eram grandes demais. Faz algumas semanas, tanto a faixa da Rio Claro, quanto a sobrevivente da São Carlos do Pinhal foram diminuídas pela metade.


Atual faixa da Rua São Carlos do Pinhal


Atual faixa da Alameda Rio Claro


___Hoje, menores e ainda menosprezadas, as pobres faixas pensam quanto falta para que elas desapareçam completamente. Talvez em noites chuvosas elas até tenham pesadelos imaginando um carro do CET substituindo-as por grandes placas de “Proibido Pedestres”.


Faixa de pedestres, por Rafael Sica
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P.S.: Antes que algum doce leitor ache que é apenas nesse exemplo que as pobres faixas sofrem, aproveito para deixar mais um: no cruzamento da Rua Maria Figueiredo com a Alameda Santos, as antes 4 faixas agora são 3. Ou nem isso, já que, das três, duas estão em avançado processo de calvície carrocrata.


Rua Maria Figueiredo com a Alameda Santos - uma faixa a menos e duas desaparecendo

12 de março de 2012

Idade das Trevas revisitada

___Não há dúvidas de que existe tanta toupeirice no mundo que se idiotas voassem o céu viveria nublado. Mesmo assim, pelo bem da minha sanidade, tento ao máximo evitar, na minha dieta ocular, a leitura de textos de goblins, gente que leva a Veja a sério e outras criaturas do tipo. Isso não significa, claro, que eu nunca os leia, mas procuro fazê-lo com muita moderação.
___Nos últimos dias, entretanto, caíram na minha mão textos tão bizarros que eu achei que havia assinando o feed do blog do Reinaldo Azevedo ou estava inscrito em um curso do Luiz Felipe Pondé. Para que vocês, queridos leitores, também tenham a chance de dar risada ou sofrer, vou dividi-los aqui.


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A Dama de Ferro e a inutilidade do feminismo
___Para começar, um artigo publicado na Folha, no Dia Internacional da Mulher. A autora, Talyta Carvalho (filósofa, com mestrado e tudo), em um momento Margaret Thatcher, resume seu texto dizendo: “De minha parte, afirmo: não devo nada ao feminismo.”.


Dama de Ferro, Legado de Ferrugem - de David Simonds


___Não deixa de ser interessante: a moça formou-se em Filosofia, seguiu um tanto de carreira acadêmica, escreveu em um jornal de grande circulação... e não deve nada ao feminismo. Tal qual, segundo Churchill, a Inglaterra não devia nada aos aviadores ingleses.


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Intelectuais isentos? Procure na corretíssima Direita
___O segundo caso é o do jornalista Luiz Garcia, no jornal O Globo. Falando sobre o acesso um pouquinho maior dos cidadãos aos Arquivos da Ditadura Militar, Garcia diz que “Pode-se esperar que essa nova política permita que historiadores isentos – e esse adjetivo é obviamente indispensável – escrevam a história dos nossos anos de chumbo.”.
___Sobre a imbecilidade que é achar correto apenas se forem “historiadores isentos” a escrever a História da Ditadura, deixo vocês com os comentários do Alex. Eu comento que Luiz Garcia ou é muito ingênuo ou é um jornalista muito ruim para achar que existe isenção em reportagens ou estudos históricos. Não é à toa que o infeliz participou do lançamento da Veja, em 1968.


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Demitam esses professores abortistas!
___Para terminar, linko o texto do bispo Luiz Gonzaga Bergonzini. Cheio do amor cristão no seu coraçãozinho, o doce religioso pede que as PUCs tomem as medidas necessárias para se livrarem dos “professores abortistas, defensores da eutanásia, da liberação da maconha, da ideologia homossexual ou comunistas”. E completa: “[Esses professores] Não podem lecionar numa escola católica, que é totalmente contrária a esses posicionamentos.”. Só faltou pedir para jogarem o Leonardo Sakamoto na fogueira.
___Se as palavras imbecis do bispo não me causassem asco, eu talvez até achasse engraçado um idiota que pensa que uma universidade, antes de ser crítica, questionadora, construtora de conhecimento, tem de se subordinar ao amigo imaginário de uma religião qualquer. Saudade da Idade Média, senhor Bergonzini?

9 de março de 2012

Eu ainda tenho idade para beijar?

___Desde moleque, sempre me diverti muito com livros de mistério. Adorava (e ainda adoro) Sherlock Holmes e, com o tempo, descobri outros detetives que muito me agradam, como o maravilhoso Nero Wolfe e o Comissário Maigret. Sempre que me surge uma oportunidade, leio algum deles.


Jean Gabin interpretando Maigret


___Dia desses, li A louca de Maigret. Livrinho curto, boa trama, leitura rápida. Quando terminei a obra, para mim, o mistério estava desvendado, mas algo, perto do final, ficou a me incomodar. Foi algo simples, talvez de pouca importância para o livro, quando Maigret e Louise, sua esposa, estavam a passear pelo Jardim das Tulherias.




___Continuaram o passeio e não tardaram a chegar ao Jardim das Tulherias.
___– Que tal nos sentarmos um pouco? – ele propôs.
___Era uma vontade que lhe surgira na véspera à noite. Ele não se lembrava de alguma vez ter se sentado num banco de jardim público. E não estivera longe de pensar que não serviam para nada, a não ser de leito para os mendigos* ou de refúgio para os namorados.
___Mas demoraram até encontrar um banco livre. Todos os outros estavam ocupados, e não apenas por pessoas idosas. Havia muitas jovens mamães que vigiavam seus filhos. Um homem de uns trinta anos lia um livro de biologia.
___– Estamos bem acompanhados, não?



___Já sentados, Maigret falou à esposa.




___– ... eu queria, pelo menos uma vez na vida, me sentar num banco de jardim público.
___Acrescentou vivamente:
___– Sobretudo com você.
___– Você não tem boa memória.
___– Já fizemos isso?
___– Durante o nosso noivado, num banco da Place des Vosges. Foi lá, inclusive, que me beijou a primeira vez.
___– Tem razão. Minha memória é péssima. Eu gostaria de beijá-la, mas há muita gente ao redor.
___– E não combina com a nossa idade, não é?**



___Depois disso, sem se beijar, o casal vai a um restaurante.


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___Certa vez, entrando no prédio em que eu morava, cruzei com uma vizinha, bem velhinha, beijando um senhor que aparentava ter a mesma idade que ela. Fui até o elevador, apertei o botão e fiquei a esperar.
___Na mesma hora em que o elevador chegou, entraram no prédio duas adolescentes. Abri a porta do elevador, elas agradeceram, e eu entrei logo depois delas. Assim que o elevador começou a subir, as duas, meio histéricas, iniciaram o seguinte diálogo.
___– Ai, que nojo! Você viu?
___– Credo! Eu vi!
___– Vão acabar trocando a dentadura.
___– HAHAHA! É mesmo.
___– Meu, ela é toda enrugada. Mal deve dar para sentir a boca.
___– E a língua deles? Já imaginou que horror?
___Pela graça da boa Clio, o elevador chegou ao meu andar e eu não precisei mais ficar escutando aquele festival de idiotice.


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___É sério que estabeleceram prazo de validade até para beijar? E pior, algumas pessoas acreditam nisso, compram essa ideia e vivem menos felizes a partir de determinado momento da vida? Isso é muito triste.
___Como é que as pessoas vivem assim? Depois de certo momento as pessoas decidem ter uma vida mais medíocre e pronto? Qual o sentido disso? Quem estabeleceu essas regras imbecis? Por que as pessoas continuam a segui-las?
___O exemplo do Maigret alguém pode me lembrar de que se trata apenas de ficção, outro pode me dizer que o livro é de 1970 e que Georges Simenon, o autor, nasceu no começo do século XX, que se trata de outra época e outra forma de se pensar. Isso não faz com que eu ache o caso menos triste. De qualquer modo, o caso não-ficcional me incomoda mais: duas adolescentes que, se Darwin permitir, ficarão vivas até que sintam nojo delas mesmas e dos seus amigos mais antigos. É horrível.
___Caso eu pensasse como elas, ou eu planejaria me suicidar daqui uma ou duas décadas, ou aprenderia a ver o mundo de outra forma. O que nós achamos belo, nojento, divertido é algo culturalmente construído. Hoje temos um padrão de beleza, há 300 anos tínhamos outro. Ninguém nasce achando esmalte, barba, cabelo longo, barriga tanquinho ou orelhas pontudas algo sexy. Aprende-se a gostar de qualquer uma dessas coisas.


Beijo - Idosos


___Ficando vivo, a velhice é inevitável. Portanto, com todo carinho, eu aconselharia qualquer um a uma reeducação do olhar para se ver beleza nas pessoas, não importando a idade. Nem que seja para gostar de si próprio no futuro.


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P.S.: Sobre o assunto, recomendo enfaticamente o texto “Treinando nosso olhar pra beleza”, da Lola. Também vale dar uma olhada no “Os cabelos de um homem: uma teoria do consumo conspícuo capilar”, do Alex.
P.P.S.: Como eu fiz questão de deixar por aqui as reflexões do Maigret sobre bancos públicos, fica outro texto do Alex: “Praças e mendigos: quem vamos proteger?”.
P.P.P.S.: Querem comprovar parte do que eu falei sobre esse preconceito idiota? Procurem imagens sobre beijos pela internet. Quase todos os beijos de idosos que aparecem nas buscas, são beijos no rosto, não na boca. Até nas imagens de bebês se beijando aparecem mais beijos na boca. Alguma dúvida?


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* Não é a cara dele, mas, caso Maigret vivesse no século XXI e publicasse, no próprio Facebook, algo próximo da opinião que ele tinha até então sobre os bancos públicos –“A prefeitura resolveu concertar os bancos do parque próximo à minha casa. Que desperdício dos meus impostos! Esses bancos só servem mesmo é de colchão para mendigos.” –, eu iria me divertir horrores enviando a opinião dele para o Classe Média Sofre.
** Georges Simenon, A louca de Maigret, Capítulo VI.

5 de março de 2012

Ao vivo

___Um dos grandes encantos do teatro é a chance única de ver os atores, naquele momento, fazendo de tudo para interpretar aquela peça, para aquele público. Como tudo acontece ao vivo, o que está sendo visto naquela oportunidade pode nunca mais se repetir. Mesmo sendo ficção, a vida está sendo mostrada, escancarada, ali, na sua frente.
___Só que uma vantagem, sempre pode passar a ser uma desvantagem. Já recebi a grana do ingresso de volta porque a atriz do monólogo não apareceu; assisti uma peça em que uma atriz (coitada) quebrou o braço no dia e, mesmo assim, atuou; aturei atores que não sabiam o texto correrem atrás de uma cola para recitar a próxima fala. De todos, o caso mais triste que eu já presenciei aconteceu faz umas duas semanas.
___Cheguei achando o teatro até mais vazio e escuro do que eu esperava. Quando me aproximei da única luz do local, a bilheteria, vi a atendente chorando. Provando que eu sou um monstro sem coração, mesmo assim fui pedir um ingresso. A moça enxugou o rosto e, com os olhos ainda úmidos, disse:
___– Hoje não tem peça. O ator principal acabou de ser atropelado.
___Agradeci um tanto envergonhado, ao mesmo tempo em que ia me afastando. Teatro: a vida sendo mostrada, escancarada, ali, na minha frente.

3 de março de 2012

Animais e bom humor

___Ao se conversar um pouco sobre a vida que a famosa Cleópatra levou, não é difícil encontrar as mais controversas opiniões. Mesmo assim, todas as suas manobras políticas para conseguir ficar com o poder, seus esforços para seduzir importantes homens de Roma e manter o Egito independente e até o seu suicídio, costumam atrair opiniões positivas quanto à sua coragem.
___Faz quase um mês, passou a morar comigo e minha esposa, em nosso lindo e doce lar, uma cachorrinha vira-lata de porte médio. Nós a adotamos e, portanto, nem imaginamos o que aconteceu na vida dela antes da nossa chegada. O que sabemos é que ela é muito medrosa: foge de quase todo mundo, desconfia dos próprios brinquedos, não aceita ser enrolada em tapetes e, depois que queimou o focinho na rua, tem receio até de dar a volta no quarteirão. Achamos divertido chamá-la de Cleópatra VII.


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___Queira ou não, animais podem ser um campo fértil para brincadeiras do tipo.


The Hustler, de Arthur Sarnoff


Gato de Cheshire


Captive


Ironia


A Friend in Need, de Cassius Marcellus Coolidge


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___Deixando as brincadeiras de lado, por via das dúvidas, vou manter a Cleópatra afastada de serpentes.