31 de dezembro de 2011

Desejo de Ano Novo

___Como desejos de ano novo podem ser bonitinhos, mas não costumam ajudar ninguém a porcaria nenhuma, fica meu desejo de que, em 2012, meus leitores descubram um talento novo. Nem que seja para ajudá-los a tornar a vida mais divertida.
___Como inspiração, deixo um link para o ilustrador (e fantástico redator de e-mails) Luis Di Vasca e um vídeo com Naomi Uyama, deixando bem claro o que é ter mais de um talento.


[embed width="550"]http://www.youtube.com/watch?v=ntSS5pZJgzM[/embed]


___São os sinceros desejos deste blogueiro – que adora ensinar História, dar aulas de dança, escrever, editar, dançar, planejar atentados à Casa Branca, coreografar, pesquisar e arrumar novas e divertidas atividades.


28 de dezembro de 2011

Ulisses e seu autor

___– Professor Trida!
___Em meio a um passeio por uma livraria, um aluno me encontra entre as estantes. Após os cumprimentos básicos ele me pede ajuda sobre um autor.
___– Qual é mesmo o nome do autor do Ulisses?
___– Homero. Só que os gregos costumam chamá-lo de Odisseu.


Odisseu


___– Não esse Ulisses...
___– Ah, tá! Você quer saber do livro Ulisses? O autor é o James Joyce.
___– Não... O Ulisses de agora.
___– Eu mesmo? Por conta do pseudônimo que eu uso no meu blog? –, questionei, bastante intrigado.
___– Também não. O Ulisses dos quadrinhos.
___– Ah... o Ulisses do André Dahmer?
___– Isso! Esse mesmo!


Ulisses, de André Dahmer


___Foi bom ter ajudado o estudante. Mesmo assim, fiquei pensando se eu era mesmo o cara mais indicado para responder a questão “Qual é mesmo o nome do autor do Ulisses?”.

25 de dezembro de 2011

Cartinha natalina

Querido Vovô Noel,


___Neste ano de 2011 eu fui um bom menino. Fiz o meu trabalho direito, ajudei o próximo, não fiz maldades e até parei de assistir televisão para não correr o risco de ver o Rafinha Bastos.
___Pensei em pedir como presente o fim da fome no mundo, a paz mundial, o término dos horrores causados pelos automóveis ou a eliminação da pobreza, mas eu já tentei isso em outros anos e você me ignorou solenemente. Já me toquei que, apesar da roupa vermelha que nossa família usa como uniforme, nós vivemos para o consumismo e, portanto, ideais comunistas passam bem longe daqui. Tá certo, eu já devia ter percebido isso pela forma como exploramos a força de trabalho dos duendes, mas você sabe que aquela queda de cabeça do trenó quando eu era apenas Filho Noel me deixou meio lentinho.
___Deixando minhas divagações de lado, lembrando que fui um bom menino neste ano e que pedidos esquerdistas não serão atendidos, resolvi pedir algo mais simples para o meu natal. Melhor de tudo, vou dar um prazo grande para o senhor: o ano inteiro.
___Eu gostaria imensamente que os filmes que forem produzidos sobre o natal em 2012 arrumassem outro problema para o Clã Noel que não fosse sobre contratempos na entrega dos presentes. Esse tipo de roteiro está mais manjado do que filme com o Chuck Norris matando todo mundo (até o câmera) porque pisaram no rabo do cachorro dele.
___Tanta história mais interessante para contar. Podiam fazer uma comédia romântica contando o caso que eu tive com aquela elfa da fábrica de presentes. Um suspense contando a história do serial killer Tatatatatatatatatatatatatatataravô Noel, que usava uniforme preto na Idade Média e, ao invés de distribuir presentes no dia 25, resolveu matar as pessoas nos outros 364 dias do ano – e acabou conhecido como Peste Negra. Talvez um documentário histórico sobre moda, contando como adotamos nosso uniforme vermelhinho básico.
___Por favor, Vovô Noel, eu quero muito que os filmes natalinos de 2012 mudem de assunto. E já vou avisando, se você não me entregar o presente que estou pedindo, vou começar a espalhar por aí que você não existe. Esteja avisado.


Carinhosamente,


Papai Noel.


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P.S.: Aproveitando a piadinha sobre comunismo que eu fiz acima, fica outra que eu vi por aí e que muito me divertiu.


Santa Marx

23 de dezembro de 2011

Caricatura e não-caricatura

___Caricaturas costumam enfatizar características, defeitos, hábitos e, por conta disso, divertem e chegam a ser mais interessantes de se ver do que as próprias fotos das pessoas. Lucas Leibholz é um caricaturista de mão cheia. Não foi à toa que seu trabalho sobre Muamar Kadafi lhe valeu o segundo lugar no 38º Salão Internacional do Humor de Piracicaba.


Muamar Kadafi, por Lucas Leibholz


___Entretanto, os efeitos de caricaturas podem se inverter em pessoas extremamente caricatas. É o caso do feiíssimo Noel Rosa. Na caricatura de Leibholz, o Poeta da Vila ficou melhor do que era na realidade.


Noel Rosa, por Lucas Leibholz


___De todos, o trabalho que eu mais gostei mesmo foi o feito em cima de uma figura que já é, em si, uma horrenda caricatura. Líder de uma instituição reacionária e injusta, pessoa que já defendeu o nazismo e que é conivente com a pedofilia, o Imperador Palpatine papa Bento XVI merecia um retrato fiel a esse ponto. Obrigado, Lucas.


Papa Bento XVI, por Lucas Leibholz
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P.S.: Aproveitando meu ataque doce e sutil a Joseph Alois Ratzinger, deixo como extra o informativo vídeo “O que é a Igreja Católica”, de Louis CK.


[embed width="550"]http://www.youtube.com/watch?v=BbBN53SzOEs[/embed]

21 de dezembro de 2011

Jogo de pé

___Apresentar uma boa coreografia leva apenas alguns minutos. Entretanto, aqueles minutinhos, para que pudessem acontecer, consumiram meses de trabalho dos dançarinos entre pesquisa, escolha da música, montagem da coreografia e infindáveis e repetitivos treinos. Para quem assiste a apresentação, só há o deleite.
___Só que, mesmo com muito cuidado e treino, algo pode dar errado e colocar tudo a perder. No meio da coreografia, o som pode falhar, a cortina pode descer fora de hora, o lustre pode cair no público ou o tênis de um dos dançarinos pode desamarrar.


Gastón Fernández - tênis desamarrado


___Foi o que aconteceu no mais importante evento de lindy hop do país neste ano. No meio da apresentação de Gastón Fernández e Tina Rizza, o tênis do Gas desamarrou. Deem uma olhada na coreografia toda (o cadarço começa a ficar solto por volta de 1’50”):


[embed width="550"]http://www.youtube.com/watch?v=NDtTN-uEUBM[/embed]


___Do mesmo jeito que um detalhe como um cadarço desamarrado pode desconcentrar, levar o dançarino ao chão, em suma pode estragar uma coreografia, a presença de espírito de contornar o problema só faz o espetáculo ser mais espetacular.


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P.S.: Para quem se interessa por lindy hop, é bom lembrar: Gastón e Tina são os organizadores do mais importante festival de swing da América Latina, o LHAIF* – que vai acontecer daqui a pouco, entre 5 e 8 de janeiro de 2012, em Buenos Aires. Mais informações aqui.


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* Lindy Hop Argentina Internacional Festival.

18 de dezembro de 2011

Eles não são como Nós

___A versão paulistana dos movimentos de questionamento da situação de desigualdade que o Capitalismo tem causado, como o Occupy Wall Street, é o Acampa Sampa/Ocupa Sampa. Só o fato de questionarem situações de desigualdade, por tentarem fazer algo, já me faz olhar para o movimento com olhos mais simpáticos.
___Foi exatamente por isso que, enquanto o Ocupa Sampa esteve acampado no Vale do Anhangabaú, toda vez que eu passava pela região, eu esticava o meu caminho para olhar o acampamento. Agora, infelizmente, isso não é mais possível, pois, primeiro, o movimento resolveu tornar-se itinerante e, pouco depois, foi “desacampado” pelas forças policiais (que, mais uma vez, chegou a agir irregularmente).
___Expressa minha simpatia pelo Acampa Sampa, também acho importante fazer uma reflexão. Reflito, vale dizer, relatando minha mais longa visita ao acampamento do Anhangabaú. O dia foi 14 de novembro; a desculpa para sair de casa foi a aula pública do professor Pablo Ortellado.


Acampa/Ocupa Sampa - Aula
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___Bem acompanhado de meu amigo Caio (e tendo visto por lá um moço que eu posso jurar que era o Renato Rovai), aproximei-me do local em que a aula aberta iria acontecer. A ideia da palestra foi bem interessante, Ortellado associou o que tem acontecido na USP com o livro Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, de Nicolau Maquiavel. Mesmo com alguns problemas, como a falta de eletricidade que impediu o uso do microfone, a aula valeu bem a pena.
___Minha crítica não é, obviamente, a uma aula aberta. Acho fabuloso que o Ocupa Sampa organize eventos como esse. Queria, sim, falar de algo que aconteceu depois da palestra.


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___Assim que a aula terminou, Ortellado abriu para perguntas. Mal tinham sido feitas as primeiras perguntas, uma senhora veio, bastante exaltada, falar com o público. No início da aula, policiais começaram a chegar ao local e essa senhora foi uma das pessoas que saiu do acampamento e passou todo o tempo discutindo com eles. Agora, bastante exaltada, ela vinha pedir o apoio do restante do grupo.


___– Gente, ajudem. A Polícia veio aqui retirar o pessoal de lá!


___O “pessoal de lá” eram os moradores de rua.  O grupo do Ocupa Sampa montou suas barracas debaixo da ponte, em uma extremidade do Viaduto do Chá. Por conta da companhia, da distribuição de comida ou com a esperança de que a Polícia não os importunasse, alguns moradores de rua montaram, do outro lado do Viaduto, alguns barracos.


___– Gente, eu não sei qual é a opinião de vocês; a minha é que eles estão conosco e que não podemos deixar a Polícia levá-los. –, continuou a senhora.


___Quem estava vendo a aula aberta começou a levantar. Iniciou-se uma mobilização de pessoas prontas para reagir para defender o próximo de alguma forma. “E aí?”, “Vamos lá!”, “Junta todo mundo!”. Quando todos já estavam de pé e parecia que algo iria acontecer, uma moça veio do meio das barracas falando alto:


___– Peraí! Palavra de ordem! Os moradores de rua não fazem parte do nosso grupo. Aqui nós estamos lutando contra o Capitalismo. Eles não estão aqui por isso. Além do mais, a Polícia já avisou que não pode ter madeira por aqui – por conta do risco de incêndio – e os barracos deles têm madeira. Sem contar que entre os moradores de rua vivem crianças e nós não podemos ter crianças em um movimento como o nosso, é crime, seria aliciamento de menores. Ah... e não esqueçam que vocês sabem que com eles rola drogas, têm uns dependentes sérios, é complicado. Defendê-los iria sujar o nosso movimento. Não podemos nos meter.


Apartidários


___Assim que ela acabou de falar, ninguém mais questionou. Quem eu achei que iria reagir, pareceu ter mudado de ideia; inclusive a senhora que veio pedir ajuda. Sem muita demora, as pessoas voltaram a sentar e as perguntas sobre a aula aberta voltaram como se nada tivesse acontecido. Uma aquiescência silenciosa.


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Capa da invisibilidade


___Acompanhar essa cena muito me entristeceu. Mesmo dividindo o mesmo espaço, ainda que fisicamente um pouco separados, ficou claro que grande parte das pessoas que estavam por lá pensam que existe uma boa diferença entre “Nós” e “Eles”. “Nós”, os revolucionários, os politizados, aqueles que estão lutando contra o Sistema. “Eles”, que estão perto, mas não partilham da nossa luta. “Eles”, os ignorantes. “Eles”, os pobres. “Eles”, que não são como “Nós”.
___Perceber a existência de uma mentalidade classista, que também exclui os que mais sofrem na luta de classes, é um tanto estranho para pessoas que estão lutando contra o sistema capitalista. Talvez fosse importante que grupos como o do Ocupa Sampa tivessem bem claro por quem eles estão lutando antes de derrubar um mundo de desigualdades para, simplesmente, estabelecer outro.


Papai Noel não existe
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P.S.: Aproveito para contar algo que, para mim, foi um mezzo happy end. Quando os moradores de rua viram que não teriam apoio do pessoal do Acampa Sampa, rapidamente, sem grande alarde, aproveitaram a distração dos policiais, organizaram-se e desapareceram, deixando os barracos para trás. Achei impressionante a organização (ou o costume) deles para resolver problemas com policiais e voltarem rapidamente ao nomadismo.

14 de dezembro de 2011

Trânsito de fim de ano

pira12102009


___Lembrete para todo mundo que vai começar a reclamar agora do trânsito do fim do ano:


Você é o trânsito


___“Você não está preso no trânsito. Você é o trânsito.”.

10 de dezembro de 2011

O Pianista do Paraíso

___Andando por São Paulo, com sorte, é possível encontrar alguns “pianos-públicos” – instrumentos que ficam disponíveis para quem quiser sentar e tocar. Quase sempre que passo por algum lugar que sei que conta com algum disponível, dou uma pequena esticada na rota para ouvir se encontro alguém interessante tocando. Tenho, inclusive, o meu músico preferido, o Pianista do Paraíso.
___Já o encontrei umas boas três vezes. A mais interessante delas foi a primeira.
___Fazendo baldeação na estação Paraíso, ouvi a música que o Gênio da Lâmpada canta quando é libertado pelo Aladdin.* Aproximei-me do piano e fique vendo o rapaz tocar. Assim que terminou, simpático, ele se virou e perguntou se eu havia gostado.
___– Sim – respondi –, adoro trilhas sonoras de desenhos. É do Aladdin, não?
___– Opa, você reconheceu? É isso mesmo! Chama “Friend like me”. Adoro o compositor. É um cara genial chamado Alan Menken. Já que você gosta...
___Ele voltou para o piano e tocou outra música do Aladdin. Também reconheci. Animado, ele forçou a cabeça e foi mudando de desenhos. Passou para A Bela e a Fera, A Pequena Sereia e até Cavaleiros do Zodíaco.
___Como a brincadeira com músicas de desenhos estava nos divertindo, indiquei os vídeos do DeStorm, inclusive um recente à época, sua oitava versão dos Soul-Toons.


[embed width="550"]http://www.youtube.com/watch?v=UXuBMISXzhc[/embed]


___O Pianista do Paraíso também o conhecia. Ficamos uma boa meia-hora trocando músicas e referências. Pena que eu não tinha uma parceira para dançar naquela hora.
___Quando perguntei, o pianista disse que não se apresenta em lugar nenhum. Nem toca suas músicas pela rede. Para vê-lo, segundo ele, só mesmo vasculhando pelas estações de metrô. Desde então, sempre que sei que vou passar pelo Paraíso, saio um pouco mais cedo para ver se o encontro.


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* Um ótimo lindy hop, vale dizer.

7 de dezembro de 2011

Perturbada...

___Como o cotidiano é lugar para bizarrices, dia desses, no metrô, encontrei um conhecido que, por anos, namorou uma amiga minha. Com ela, tenho contato frequente até hoje; ele, que só conheci por causa do namoro, encontrei, vez ou outra, em reuniões de amigos em comum.
___Como estávamos indo para a mesma direção, fizemos a mesma baldeação, conversamos por um bom tempo. Todos os assuntos pareciam convergir para minha pobre amiga. Um deles, a narração de um sonho que o rapaz teve, foi o que mais me deixou impressionado.
___– Acredita que, outro dia, eu sonhei com ela? Sonhei que ela era um espírito que aparecia para me assombrar. Eu falava que a perdoava por toda a chateação que ela havia me causado e que ela poderia descansar em paz no Além.
___Sem saber o que dizer, respondi com um mal articulado “Ah...”. Foi o bastante para empolgar o reflexão do sonhador.
___– Meu, dá para acreditar? Faz 7 anos que o namoro terminou e eu sonhei com ela! Achei que aquela mulher chata não ia me largar e agora aparece no meu sonho. Ainda bem que ela sumiu da minha vida real. Não quero mais vê-la de jeito nenhum. Ela é muito perturbada. Você não acha? Heim?


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___Raciocinem comigo. Depois de 7 anos que o namoro acabou o cara não para de falar sobre a mulher, sonha com ela, relata um sonho todo espiritual (embrulhadinho para qualquer maluco religioso* ou ignorante metido a psicólogo interpretar) e vem me dizer que a moça que é perturbada?


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___Sem solução melhor, mudei bruscamente de assunto e desci na estação seguinte. Preferi a companhia do meu livro.


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* Perdoem-me pelo pleonasmo.

5 de dezembro de 2011

Workshop de Lindy Hop, em Sampa

___Para quem riu de mim quando anunciei um evento de swing que eu queria muito ir, mas não podia por conta da distância, faço, agora, uma leve desforra.
___Os melhores organizadores de eventos de lindy hop da cidade, os HopAholics, já começaram a anunciar mais um workshop. Reservo a data e deixo o anúncio.


Workshop HopAholics

1 de dezembro de 2011

Brasil Swing Out Extravaganza

___Há 70 anos, o mais famoso grupo de dançarinos de swing da história, os Whitey’s Lindy Hoppers, veio para o Brasil. Por causa da II Guerra Mundial, a visita de seis semanas se transformou em uma longa estadia de 10 meses.
___Hoje, para o êxtase de um dançarino-historiador como eu, Norma Miller, única integrante viva dos Whitey’s Lindy Hoppers, estará de volta ao Brasil. Ela e diversos professores internacionais estarão no Rio de Janeiro em um fabuloso evento de swing chamado Brasil Swing Out Extravaganza.


[embed width="550"]http://www.youtube.com/watch?v=EmnCQ2KxAxQ[/embed]


___Infelizmente a minha conta bancária de recém-casado, minhas obrigações como professor em final de ano e as algemas que minha esposa colocou nos meus calcanhares me impedem de ir para o evento. De qualquer modo, para quem gosta de swing, é uma oportunidade esplendida.
___Deixo aqui os meus desejos sinceros para que tudo funcione maravilhosamente bem no evento e que aconteça algo menos trágico que uma guerra mundial para manter a Norma Miller no Brasil por outros 10 meses.

28 de novembro de 2011

Slow...

___Dia desses, pouco antes da publicação do texto “A Guerra do Arquiduque e a Maconha”, eu estava conversando virtualmente com o meu amigo Caio. Inteligente e dono de um gosto literário apuradíssimo, Caio é leitor do Incautos do Ontem – e estava curioso para saber se eu iria publicar mais algo sobre a USP.




M. Ulisses Adirt: Vc acha, por acaso, q parte da tarde do meu domingo não está sendo dedicada para revisar um artigo do Incautos compartilhando links e ideias?
Caio Romero: Eba! :D
M. Ulisses Adirt: Só q, vc me conhece... ainda acho q tem de melhorar mto... Estou lapidando as palavras.
Caio Romero: ‎=D mas poste o mais rápido possível.



___Quanto o Caio pediu pressa, lembrei do Ítalo Calvino, no lindo Se um viajante numa noite de inverno, classificando escritores. Respondi que eu sou um escritor lento, que tem dificuldade e sofre para escrever cada linha. Ao que o Caio me responde:




Caio Romero: slow writer. tem um movimento chamado slow science, já ouviu falar? acho bem interessante.
M. Ulisses Adirt: Não o conheço. Mas, tenho de dizer q são extremamente porcos esses “intelectuais” q, para manter um bom número de publicações, reeditam infinitamente a mesma pesquisa. Dá nojo. Por isso eu gosto tanto do Hilário, q, como intelectual, é um exemplo.
Caio Romero: eu vi seu post sobre o Hilário. gostei! acho que você pegou o espírito do Slow Science; é isso: ter tempo para fazer ciência, de fato.
M. Ulisses Adirt: ‎:-) Eu sou, então, a favor do “slow teaching”, com professores tendo muito tempo livre para ler, ir ao teatro, museus, cinema e afins (para que consigam o máximo de cultura possível), para preparar cada uma das aulas, para atender os alunos. Mais ou menos o que eu faço, mas sem precisar fazer os meus sacrifícios salariais.
Caio Romero: sou a favor do slow tudo, na verdade...
M. Ulisses Adirt: Puxa... eu adoro fast food... ;-)
Caio Romero: hahaha



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___A piadinha final, serve só para diversão mesmo. O restante da conversa, entretanto, conta com pontos muito importantes sobre o que eu penso sobre Ciência, sala de aula e afins. Achei que valia a pena publicar.
___Além disso, publicando o diálogo, posso divulgar um pouco mais o movimento da Slow Science, que eu achei bem interessante. Ficam os links do seu site oficial e de traduções do Slow Science Manifesto.

24 de novembro de 2011

Incautos X Capitalismo

___Meu querido e pobre blog tem tido alguns problemas com o servidor nos últimos dias. Ficou a semana toda fora do ar. Mesmo agora que voltou ao ar, podem ver, o template está todo desconfigurado.*
___Nem imagino o que aconteceu de errado. Mesmo assim, adorei a hipótese que um aluno levantou:


Incautos X Capitalismo


___Sendo assim, grandes corporações, tremam! Mesmo desconfigurado, o Incautos do Ontem está de volta.


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* Claro, só dá para ver entrando no blog. Quem lê por feed, acho que está tudo igual.

19 de novembro de 2011

Escrever, verbo intransitivo

___Lendo, vendo uma exposição, andando na rua, conversando no metrô, eis se não quando, aparece a Ideia. Um pouco tímida, olhando de lado, fingindo que não está lá; calejado, o Autor arruma qualquer lugar em que possa anotar e pega o nome, telefone, e-mail da doce Ideiazinha.
___Depois de entrar em contato, encontros são marcados. O texto vai surgindo fácil, interessante. Até mesmo um título o Autor conseguiu – isso ainda no terceiro parágrafo do rascunho. Tudo parece andar às mil maravilhas.
___Querendo aprofundar o relacionamento, o autor começa a escrever o texto verdadeiro. Começa a escolher as palavras com atenção, a moldar cada uma das frases, a pesquisar. Então acontece a desgraça: em meio a pesquisa, o Autor descobre que aquela Ideia linda, para a qual ele havia dedicado horas, pagado jantar, mandado flores, aquela Ideia de que ele tanto gostava, é inconsistente.
___Ele deveria ter percebido. Estava tudo indo bem demais. Revoltado, pega o telefone, liga, esbravejando, tarde da noite, para a pobre Ideia. A discussão leva horas. Impaciente, o Autor grita:
___– Sua dissimulada! Capitu! Como assim você não me contou sobre a sua inconsistência.
___Apesar de triste, a Ideia tenta se fazer de durona. Engole o choro e retruca:
___– Como? Eu nunca escondi minha inconsistência. Ela sempre estava aí para quem quisesse ver. Você que não olhou direito.
___O Autor sabia; era verdade. Se ele tivesse prestado mais atenção, lido um pouco mais antes de se jogar em cima da Ideia, ele teria percebido. Infelizmente, ingênuo, ele se entregou e só veio a notar o problema quando aquele belo relacionamento já havia caminhado texto adentro.
___Na cama, o Autor vira para todos os lados, não consegue dormir. A Ideia, mesmo que inconsistente, não lhe sai da cabeça. Sem outro remédio, ele levanta da cama, abre a garrafa de sátira, mistura com um pouco de ironia, amassa uma rodela de humor no fundo do copo e coloca duas pedras de metonímia. Toma tudo de uma vez. Repete a dose, mistura com alguns outros elementos. Lá pelo quarto copo, o Autor percebe que talvez dali saia algo mais consistente. Esperançoso, talvez alto pelo efeito da bebida, ele se lança em mais um texto.


15 de novembro de 2011

Like a Rodas

___Entre as brincadeiras que fizeram por conta da violência que o reitor da USP, João Grandino Rodas, tem utilizado contra os estudantes, a mais interessante é o Tumblr like a boss, like a rodas. Uma das melhores piadas postadas por lá até agora foi publicada no dia 10 de novembro.


Like a Rodas - Wall Street


___Infelizmente, agora não é mais piada.


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P.S.: Já que o assunto está no salão, fica o link para o Acampa Sampa/Ocupa Sampa.

13 de novembro de 2011

A Guerra do Arquiduque e a Maconha

___Sinto um pouco de vergonha alheia quando vejo as pessoas falando sobre os atuais problemas entre muçulmanos e judeus no Oriente Médio como um “briga milenar”. Santa falta de conhecimento histórico, Batman! Judeus e muçulmanos não se agrediam antes de 1948. Só a partir de então, com a divisão da Palestina e a criação de Israel (uma decisão unilateral da ONU), é que os conflitos começaram.
___Vergonha alheia parecida eu sinto quando vejo hordas de bobos pelo mundo dizendo que “Esses estudantes maconheiros da USP têm mesmo de apanhar. Ao invés de estudar, ficam aí brigando porque querem um lugar para queimar erva.”.


Como reagir aos maconheiros da USP? - Latuff


___Sabem o que parece? Parece a famosíssima Guerra do Arquiduque.
___O que foi? Nunca ouviram falar desse conflito? É simples, meus queridos pupilos, a Guerra do Arquiduque foi aquele famoso conflito entre a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente, ocorrido entre 1914 e 1918. Tudo começou quando Francisco Ferdinando, arquiduque do Império Austro-Húngaro, foi assassinado. Entenderam? Todo o conflito aconteceu só porque assassinaram o herdeiro do Império Austro-Húngaro, por isso Guerra do Arquiduque.


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___Deixando a brincadeira retórica de lado, como qualquer pessoa que entenda um pouco de História sabe, a I Guerra Mundial não aconteceu só porque mataram o arquiduque Francisco Ferdinando. As nações francesa e alemã estavam intoxicadas com um grande revanchismo; as potências industriais europeias disputavam, fazia tempos, colônias na África e Ásia; preocupadas com as disputas, as nações europeias começaram a formar alianças militares e a se armar. Em meio a esses e muitos outros fatores, a Europa era, já diria uma expressão absurdamente consagrada, um barril de pólvora. A morte do arquiduque foi apenas o estopim que fez o famigerado barril explodir na Grande Guerra.
___O caso da USP é exatamente o mesmo. O clima dentro da Universidade não estava bom por diversos fatores: tal qual Paulo Maluf durante a Ditadura Militar,* José Serra empossou como reitor João Grandino Rodas e não Glaucius Oliva, o docente mais votado pela comunidade USP;** Rodas, que já havia apresentado graves problemas como diretor da Faculdade de Direito da USP, ainda foi acusado de diversos casos de corrupção; de maneira arbitrária, a Polícia Militar (que apenas dois anos antes reprimiu violentamente alguns manifestantes dentro da Universidade) foi colocada no Campus. Isso tudo, somado com vários outros elementos, fez da USP um barril de pólvora. O caso dos policiais enquadrando três estudantes que fumavam maconha, simplesmente serviu de estopim para o início de tudo que aconteceu depois.
___A briga toda, não foi porque “os alunos da Universidade de São Paulo estão acima da lei”, não foi pela “liberdade de se fumar maconha dentro da USP”. Resumir o que está acontecendo na Universidade a isso só pode ser ignorância ou má fé. Ou alguém acha mesmo que a I Guerra aconteceu só por causa da morte do arquiduque Francisco Ferdinando?


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P.S.: Falando de má fé, alguém pode me explicar como é que alguém tem a cara de pau de criticar os estudantes e não falar nada da polícia abusando do poder quando atacou a moradia dos estudantes (o CRUSP) no meio da madrugada? Alguém pode me dizer por que diabos a imprensa não noticia (como eu já havia apontado) que os policiais, em operações de enfrentamento, aparecem sem identificação?


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* Em 1981, Paulo Maluf, como governador de São Paulo, empossou Antônio Hélio Vieira, o quarto colocado na eleição de candidatos a reitor.
** Vale perguntar: o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, não tem vergonha de dizer que os estudantes precisam de uma aula de democracia? Democracia, por acaso, é quando, arbitrariamente, o senhor José Serra, também do PSDB, empossa como reitor o candidato que não foi o mais votado?

11 de novembro de 2011

Entrincheirado

___Faz alguns meses, contei que, em sala de aula, eu já analisei até soldadinhos de plástico com os alunos. Inclusive, indiquei um site ótimo para quem se interessa pelo assunto, o Plastic Soldier Review.
___Pois bem, agora, finalzinho do ano, repeti a aula. E uma aluna tirou uma foto ótima. Fiquem com ela; e riam à vontade da minha cara.

Mauricio Ulisses Trida em aula

6 de novembro de 2011

Menos sendo mais

___Hilário Franco Júnior é um dos maiores medievalistas do país, não há como não admirar o seu trabalho –, principalmente depois de ler a sua mais bem acabada pesquisa, o livro Cocanha: a história de um país imaginário*. No entanto, mesmo babando pela sua produção acadêmica, um dos momentos em que mais o admirei, foi um instante que não lhe deu o menor trabalho como pesquisador.


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___Em meados de 2001, viajei para Minas Gerais para participar do IV Encontro Internacional de Estudos Medievais.
___Depois de muitas horas de viagem, por volta das 17h, finalmente pisei em Belo Horizonte. O evento começaria às 20 horas. Corri para o local em que eu iria me hospedar, deixei as malas, tomei banho e voei para o Encontro. Mesmo ficando um pouco longe, cheguei no horário. Fiz o credenciamento e entrei.
___Para o meu ódio de rapaz que morreu de pressa, o início, como não é difícil de acontecer nesse tipo de evento, atrasou. Um bom tanto depois, auditório cheio, finalmente alguém pega o microfone e anuncia e apresenta quais serão os medievalistas que irão compor a mesa. 5 ou 6, se não me engano.
___O coordenador da mesa começa agradecendo a presença de todos – tanto público, quanto professores à mesa. Agradece à universidade em que estávamos, por ter cedido o espaço; as outras universidades, pela propaganda; aos patrocinadores; à prefeitura; ao governo do estado; aos funcionários; ao orientador, a mãe, o pai e a Xuxa.
___Após os longos agradecimentos, o coordenador da mesa olha o relógio e pede que cada convidado fale por apenas 15 minutos, pois, depois de determinada hora, não passariam mais ônibus pelo local. Antecipadamente, ele pede desculpas – o horário tinha de ser obedecido rigidamente, mesmo que as falas precisassem ser interrompidas.
___A ideia era que cada um dos medievalistas presentes à mesa fizesse alguma reflexão sobre a Idade Média, falasse da própria pesquisa ou algo que o valha, qualquer coisa interessante que servisse como marco para o início do congresso. O problema é que o tempo era curto e todos, cada um a sua vez, perdeu pelo menos 5 minutos da própria fala com longos agradecimentos ao chefe da mesa, aos outros medievalistas, ao público, às instituições que lhes patrocinavam as pesquisas, a própria universidade, às outras universidades, ao cachorro, ao vizinho e a Dona Maria, proprietária da melhor loja de frango da região. Até o Maguila sentiria inveja de tantos agradecimentos.
___No fim das contas, ninguém estava falando nada de interessante. Grande parte do tempo era perdido com agradecimentos inócuos e, na hora de falar algo sobre a Idade Média, mal os medievalistas introduziam, o mediador interrompia, desmanchando-se em desculpas. Não se falava nada mesmo. Parecia que aquela noite havia sido perdida; não havia nada para se aproveitar.
___Então, chegou a vez do Hilário, último medievalista da mesa a falar.


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___Em “Vidas Breves” (uma das interessantes séries dos quadrinhos de Sandman, de Neil Gaiman), Sonho e Delírio partem em busca de seu irmão Destruição. Quando finalmente o encontram, os três se sentam para jantar e, longamente, por duas páginas e muitos quadrinhos, Delírio conta, de maneira confusa e alucinada, a peregrinação dela e de Sonho até acharem o parente.


Sandman #48a
Sandman #48b
Sandman #48c
Sandman #48d
Sandman #48e
Sandman #48f
Sandman #48g
Sandman #48h
Sandman #48i
Sandman #48j
Sandman #48k
Sandman #48l
Sandman #48m


___Por mais interessante que a narrativa tenha sido para quem leu a série, por melhor que tenha sido o trabalho de Jill Thompson, Vince Locke e Danny Vozzo nos desenhos e nas cores de Delírio se transmutando durante a narração, tudo pôde ser muito bem resumido no último quadrinho, em uma única frase de Sonho:


Sandman #48n


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___Depois de várias falas, com muitos agradecimentos e nada sobre a Idade Média, chega a vez do professor Hilário Franco Júnior falar. Sem pestanejar, ele pega o microfone e diz:
___– Agradeço a todos que já foram citados até agora.
___Em seguida, o Hilário começou a única fala de verdade da noite toda sobre o medievo.** Podia ser só uma reflexão simples e já teria valido a pena, mas, verdade seja dita, foi uma tremenda aula, mesmo que só por 15 minutinhos. Cravados, vale dizer.


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* Prêmio Jabuti 1999, categoria Ciências Humanas.
** “Modelo e imagem: o pensamento analógico medieval.”. In.: LEÃO, Ângela Vaz e BITTENCOURT, Vanda O. (org.). Anais do IV Encontro Internacional de Estudos Medievais. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003. pp. 39-58.

1 de novembro de 2011

PM na USP (parte II): bandidos e mocinhos

___Um dos comentários do último artigo foi de um leitor (?) muito simpático chamado bitu. Talvez alguns de vocês tenham alguma dificuldade para entender a profundidade da mensagem do rapaz, mas, mesmo assim, vou reproduzi-la: “vai si foder. defensor de maconheiro!”. Como eu não fui eleito presidente do Grupo de Apoio à Reprodução dos Maconheiros Marinhos em Época de Desova, acredito que o bem articulado comentarista falou isso por conta do meu questionamento ao modo como a imprensa tratou o caso do conflito entre estudantes e policiais na última semana.
___Para fornecer uma versão além da que foi dada pela imprensa (já que o meu texto foi de análise de versão, não uma versão) aproveito para indicar a pequena entrevista que o grande Leonardo Sakamoto fez com os diretores do Diretório Central dos Estudantes da USP. Como já diria qualquer professor a um grupo de alunos querendo criticar algo, Vale a pena conhecer outros lados.

31 de outubro de 2011

PM na USP: bandidos e mocinhos

___Sabem como é que se faz para educar a população para odiar certos grupos? Já diria Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista, é só moldar o discurso vezes o bastante para que as pessoas passem a acreditar que aquilo é a Verdade.
___Querem ver como é que se faz? Vamos, mais uma vez, brincar de analisar discursos –, dessa vez, em uma reportagem televisiva.
___Para começar, assistam, com atenção, essa reportagem do jornal Bom dia Brasil, da Globo.


[embed width="500"]http://www.youtube.com/watch?v=_6PRArBnWac[/embed]
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___Prestaram atenção? Agora, respondam: segundo a reportagem, quem são os mocinhos e quem são os bandidos? Claro que eu sei que imparcialidade não existe em praticamente nenhum discurso; mesmo assim, talvez valesse a pena disfarçar um pouco as opiniões do jornal.
___Logo no início do vídeo, Chico Pinheiro, apresentador do jornal, anuncia que a polícia flagrou estudantes fumando maconha na USP e que “dezenas de amigos resolveram defender os alunos” (5” a 9”). Não conheço os três estudantes que foram pegos queimando erva, mas, a não ser que eles distribuam gratuitamente os baseados que não fumam, eu duvido um pouco que toda aquela gente que os estavam defendendo fossem seus “amigos”. Ao nomear como “amigos” os alunos que protestaram contra a Polícia, Chico Pinheiro desqualifica mais ainda a ação dos estudantes. Protestar contra a PM deixa de ser um ato político e se torna uma briga pessoal que alguém se meteria para ajudar um amigo.
___A reportagem começa, então, falando sobre a invasão dos estudantes a “um dos prédios da administração da USP”. Enquanto a voz do narrador introduz a reportagem, abusa-se de imagens desabonadoras aos estudantes: uma bandeira do Brasil sendo queimada (1’ a 1’03”), placas de ruas arrancadas para serem usadas como barricada (1’03 a 1’05”).
___Faz-se uma digressão para “horas antes”, quando toda a confusão começou. As imagens correm rapidamente para vários estudantes reunidos e para a chegada dos policiais – e para uma janela quebrada no carro da polícia (1’19”). A primeira parada mais detalhada das imagens e da narração é no caso de “um delegado tinha ido até o Campus” e “foi impedido de sair” (1’23” a 1’30”). Mesmo mostrando o tal delegado um tanto descompensado ao falar com os estudantes, a imagem e a narração são bem claras: são os alunos, bárbaros, discutindo com o servidor público e impedindo-o de sair.
___Em seguida, ressaltando o caráter mal-educado dos alunos, vemos, novamente, a janela do mesmo carro quebrada (1’33”) e ênfase a um estudante que subiu no carro da polícia civil (1’30 a 1’34”).
___O narrador fala que alguns estudantes pediam calma, mas termina a frase lembrando que “outros discutiam com os policiais” (1’34” a 1’39”). Por fim, justifica a ação violenta da Polícia dizendo e mostrando que os alunos ergueram um cavalete contra os fardados (1’39” a 1’45”).
___Fala-se que a Polícia usou bombas de efeito moral e gás lacrimogênio e “os estudantes reagiram jogando pedras” (1’48” a 1’55”). Em outras palavras, a reportagem afirma que os policiais usaram armas inofensivas, enquanto os alunos atacaram com objetos que realmente poderiam machucar. Caso tenha ficado alguma dúvida, logo em seguida entra o repórter Jean Raupp dizendo que “Por conta das pedradas, três PMs ficaram levemente feridos.” (1’55” a 1’58”). A possibilidade que algum estudante tenha se machucado nem é cogitada.
___Por fim, mostra-se, pela terceira vez, o mesmo carro da polícia civil com a janela traseira quebrada e Raupp afirma que mais cinco carros da PM foram danificados (1’59” a 2’03”) – deixando clara a atitude vândala e o total desrespeito com a propriedade pública que têm os estudantes.
___Não deixando dúvidas sobre qual o lado que a Globo decidiu se posicionar, nenhum estudante foi entrevistado. O tenente-coronel que falou às câmeras forneceu, obviamente, a sua versão dos fatos. Por exemplo, o policial disse que “Nós temos um contato muito bom com os alunos da USP” (2’23” a 2’25”), algo que não condiz muito bem com a realidade, pelo menos nas faculdades de Humanas – locais em que se discute frequentemente sobre a retirada da PM do Campus.
___Falando sobre a Polícia Militar no Campus, um dos pontos mais parciais da reportagem é o final, quando a repórter Cintia Toledo conta que “Recentemente a PM e a Reitoria [da USP] fizeram um convênio para aumentar a segurança por aqui depois que começou uma onda de violência dentro do Campus. O estudante Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, foi baleado num dos bolsões de estacionamento da Cidade Universitária e morreu.” (3’04” a 3’20”).
___Parece até que a redentora PM veio salvar a USP de uma “onda de violência [que começou] dentro do Campus”. Pela fala da repórter, dá até para imaginar que, de repente, do nada, surgiu uma “onda de violência” na USP e, se bobear, foram os maconheiros violentos da Faculdade de Filosofia que balearam um estudante. A verdade é que a onda de crimes que assola a cidade de São Paulo (não só a Cidade Universitária), entre outros motivos por conta de uma segurança pública ineficiente, levou um estudante à morte quando tentaram roubar o seu carro dentro da USP. Por conta desse fato extremado, conseguiram uma desculpa para a reitoria permitir a entrada da Polícia no Campus. Mas, para a reportagem, esses fatos devem ser só detalhes.
___Como para a Globo os únicos bandidos dessa história eram os estudantes, certos detalhes não têm mesmo importância. Por exemplo, para o jornal é completamente irrelevante que os policiais que foram ao Campus, para garantirem impunidade caso resolvessem usar de violência, retiraram suas identificações.*


Policial sem identificação - FFLCH - USP - 27/X/2011
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___Não escrevi esse texto para justificar a atitude dos alunos da USP. Em momento algum eu disse que os meus colegas de Universidade são irrepreensíveis. Entretanto, achei que valia a pena analisar o discurso contido na reportagem da Globo para lembrar o quanto um canal, formador de opiniões, faz com que as pessoas escolham, irrefletidamente, seus lados na hora de pensar sobre uma questão importante como a presença da Polícia em campi universitários.


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* Imagem retirada deste vídeo amador, feito na FFLCH, no dia da confusão.

25 de outubro de 2011

Cadê o meu livro?

___– Amor, não estou encontrando o livro que eu estava lendo, ontem, na cama.
___– Qual livro?
___Onde perdemos tudo.
___E, pelos próximos dez minutos, minha esposa ficou rindo da minha cara.


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P.S.: Eu sei que parece propaganda. Eu sei que eu gosto do Alex e faria esse tipo de propaganda. Só que, acreditem ou não, o diálogo acima realmente aconteceu.

21 de outubro de 2011

A bomba da padaria

___Chegando perto de casa, confiro as moedas que tenho no bolso. Paro na padaria e compro uma bomba de chocolate.
___Entro no apartamento feliz, antevendo a possibilidade de ver um episódio de Cidade dos Homens com a minha esposa, dividindo o doce. Sentamos, começamos a assistir. Ela morde a bomba e faz uma careta.
___– Amor, acho que o creme está azedo.
___Provei, concordei com o diagnóstico. Com o humor azedado por ver o meu descanso indo elevador abaixo, voltei à padaria.
___Procurei a funcionária que me atendeu e lhe apresentei a bomba mordida. Ela chamou o gerente. Mais azedo do que o recheio da bomba, o rapaz perguntou:
___– O que é que você quer?
___– Acho que o doce está estragado.
___Quebrando uma parte da cobertura com os dedos, o gerente experimentou e sentenciou:
___– Está uma delícia, como tudo o que fazemos aqui.
___Pensando em lindos e saltitantes pôneis cor-de-rosa para tentar fingir um sorriso, respondi:
___– Prove o creme, por favor.
___Assim que provou, o doce gerente não conseguiu esconder uma careta. Após se recompor limpando a boca com um guardanapo de papel, o rapaz disse:
___– Creme estraga fácil mesmo, é normal azedar de um dia para o outro. Não trocamos doces comprados ontem.
___Fiquei na ponta dos pés, coloquei os cotovelos no balcão e, falando da maneira mais açucarada que me foi possível, concluí:
___– Eu comprei a bomba não faz nem dez minutos, fofo!
___Ele se virou para a funcionária, que, baixando os olhos, anuiu com a cabeça. Sem se voltar para mim, o gerente disse a ela “Troque logo doce do cliente, mulher!” – e saiu batendo os pés.
___A irritação do rapaz trouxe de volta o meu bom humor. Olhando em volta para ver se ninguém mais ouvia, falei para a atendente:
___– Azedo, né?
___Saí da padaria com um novo doce – e com o sorriso da moça.


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P.S.: Aproveitando o assunto, minha irmã e o meu cunhado, nutricionistas, começaram a escrever um blog sobre comida. Se quiserem conhecer, o endereço é http://www.comidanarede.com.br

18 de outubro de 2011

Ditaduras na América Latina – século XX

___Meu principal estagiário deste ano, é um historiador chamado Caio Romero. Entre suas atividades de Licenciatura, ele teve de montar um curso de quatro aulas. O tema escolhido, como o título já diz, são as Ditaduras na América Latina.
___Quinta-feira, vai acontecer a última aula e, para ajudar aos estudantes, o Caio resolveu disponibilizar a bibliografia de todo o material utilizado e/ou indicado no curso (inclusive com links para o que existe online). Quem se interessa pelo tema, recomendo fortemente uma passada em seu blog.


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P.S.: Vale dizer, o Caio e sua namorada Barbara são duas pessoas lindas. Doces, espontâneos, sinceros – é sempre um prazer conviver com eles. São pessoas que converso, homenageio, paquero, presenteio, aprecio o tempo todo. Obrigado, lindos.

16 de outubro de 2011

Piolho, o Gato

___Quando você escolhe alguém para casar, existe uma grande chance de que a profissão do seu par influencie um tanto na sua vida. Se for um cozinheiro, talvez você possa experimentar ótimos pratos; se for um editor da Cia das Letras, pode faltar espaço na sua casa, se o seu consorte for um mafioso, talvez alguém esteja, neste momento, querendo lhe fazer um favor. A minha esposa, para quem não sabe, é veterinária. A repercussão disso é fácil de ser imaginada.
___Sexta-feira, alguém abandonou, na porta do hospital em que minha esposa está estagiando, seis filhotes de gato. No final do dia, o hospital iria fechar e apenas uma plantonista iria ficar no local.
___– Puxa, eu não vou dar conta. Além dos animais internados, ainda aparecem esses gatos malnutridos. Esse pequeno, que não consegue comer sozinho, não aguenta até segunda.
___O pequeno, piolhento, que não conseguia comer sozinho e que ainda estava sofrendo de hipotermia, passou o final de semana na minha casa.


Piolho, o Gato


___No primeiro dia, o pobre mal comia; apenas ficava deitado. Nem se ouvia o coitadinho.
___Hoje, domingo, o Piolho corre pela casa, mia sem parar e elegeu o meu corpo como o lugar mais interessante do mundo para explorar.


Piolho, o Gato


Piolho, o Gato


___Tantas gatinhas no mundo para se interessarem pelo meu corpo e é bem um gato que passeia por ele durante o fim de semana.


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P.S.: Segunda-feira, mais forte e comendo sozinho, Piolho voltará para o hospital. Interessados em churrasco, tamborins e, principalmente, em criar um gatinho, deixem um recado nos comentários que eu passo o e-mail para a minha esposa.

14 de outubro de 2011

Alô?

São Latércio, o Santo Recalcitrante


___Toda vez que eu leio essa tirinha do Laerte, penso que ela, individualmente, caso não fizesse parte de uma série, ficaria ótima com o seguinte diálogo.


Voz ao telefone: Em quem podemos ajudar, São Senhor?
Personagem com auréola:
Eu não sou santo!
Voz ao telefone:
Prove.
Personagem com auréola:
Eu tenho pensamentos homicidas. Quero matar, matar com truculência, com requintes de crueldade, quero que haja agonia, terror e uma compreensão fulgurante – embora tardia – da minha autoria e da gravidade da minha fúria. Que haja o desejo inútil de voltar no tempo para que todo esse horror pudesse ter sido evitado!
Voz ao telefone:
Chegou a realizar algo nesse sentido?
Personagem com auréola:
Sim!
Voz ao telefone (com o tom levemente mais exaltado):
Deus?!? É o Senhor? Está pensando em outro Dilúvio? Em uma nova Sodoma? Olha, eu peço desculpas...


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P.S.: Para quem gostou da brincadeira, em meados de 2010, fiz outra paródia com uma tirinha do Laerte.
P.P.S.: Quem quiser ver, no original, a série toda de São Latércio, o Santo Recalcitrante, é só clicar aqui.

11 de outubro de 2011

12 de outubro: marcha pela demissão de toda a classe política

___Amanhã, novamente, os cidadãos de bem irão às ruas para lutar contra a corrupção. A partir das 15 horas, no vão do Masp, em plena Avenida Paulista, milhares de pessoas marcharão pedindo a demissão de toda a classe política. Talvez agora este país vá para frente. Quiçá, finalmente, a política no Brasil tome jeito. Não esqueçam, é amanhã, quarta-feira. Não deixem de comparecer!
___E hoje, neste blog, mais um artigo começa utilizando, no primeiro parágrafo, o recurso retórico conhecido como ironia.


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___Para quem não sabe (eu fiquei sabendo por vários e-mails e alguns convites no Facebook), no dia 12, um monte de idiotas que não sabem nem direito o que é política, que não leem sobre o assunto e que mal se informam sobre o que acontece, vão à Paulista para pedir a “demissão de toda a classe política”. Assim como eu apoio que os imbecis pelo mundo tenham o direito de proferir frases machistas, racistas ou com qualquer outro tipo de preconceito, também apoio que alguns ignorantes marchem pela “demissão de toda a classe política”.
___Claro que eu acho linda a mais famosa fase de Voltaire: “Eu posso não concordar com uma palavra do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las.”. Só que não é exatamente por isso que defendo tosquisses como expressar preconceitos e fazer marchas estúpidas. Defendo liberdade para tais atitudes porque é sempre bom saber, sem o menor esforço, quem são os estúpidos que povoam o planeta.


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___Mesmo usando adjetivos pouco meigos como “idiotas”, “imbecis”, “estúpidos”, sou um moço bonzinho, talvez até condescendente. Se alguém passou a vergonha de me mandar um e-mail me convidando para uma passeata pela demissão de toda a classe política, se existe gente que publica isso em seus blogs, é porque acham que uma bobeira dessas pode valer a pena. Sendo assim, doce como sou, vou explicar um pouco onde está a idiotice.


Onde está Wally?
Conseguiu achar o Wally ou quer que eu desenhe uma seta vermelha?
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___Alguém que pede a demissão de toda a classe política, é aquele tipo de ignorante que encara todos os políticos como se fossem iguais; que fala que “Político é tudo corrupto.”. É quem, quando ouve sobre um caso de corrupção, não fica sabendo quem o cometeu, de que partido era. É alguém que não sabe quais políticos votaram a favor ou contra o último projeto de lei polêmico. É o eleitor que não lembra em quem votou.
___Dizer que todo político é ladrão nada mais é do que uma atitude preguiçosa de quem não acompanha a carreira dos políticos em que vota. É o resultado de não pesquisar o histórico e as propostas de cada político antes de votar. Pedir a demissão de toda a classe política assemelha-se a jogar fora a água suja da bacia junto com o bebê – e a bacia. Demitir todos os políticos (ou fazer com que eles se demitam), também excluí do poder os bons governantes, quem está fazendo um bom trabalho.
___Trata-se de uma proposta vazia que nada mais traria além de uma desorganização gigantesca e nenhuma solução. Antes que alguém fale algo do tipo, saibam que nem mesmo anarquistas pedem por isso.*
___Por fim, o mais ridículo é que, mesmo que uma bobagem como a demissão de toda a classe política vingasse, eles seriam logo substituídos por outros políticos – alguns bons, outros ruins. E o problema recomeçaria, com nada resolvido. Só restaria, então, reclamar novamente. A única leve vantagem é que, talvez assim, as pessoas entendessem a antológica frase do republicano Lopes Trovão, poucos anos depois da proclamação da república brasileira: “Como era boa a República... Nos tempos do Império.”.


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P.S.: Sobre essas marchas vazias, meu amigo Alex Castro escreveu um ótimo texto para o Papo de Homem: “O problema com o movimento anti-corrupção”. Está bem mais didático que o meu artigo raivoso.
P.P.S: Já que eu citei um texto do Alex por aqui, vale anunciar que, sexta-feira, na Casa das Rosas, a partir das 19h30min, vai ocorrer o lançamento físico do livro Onde perdemos tudo. Apareçam para comprar o livro e, se quiserem, para me ver. Depois do lançamento, às 21h30min, vou trabalhar na academia de dança que fica a apenas dois quarteirões de lá. Fica o convite.


Convite - Lançamento paulista - Onde perdemos tudo


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* Cf.: Errico Malatesta, “Rumo à Anarquia” (1910).

9 de outubro de 2011

Ouvindo (e olhando) o músico

___Coisas que acontecem na vida de um professor.
___Tive um aluno chamado Marco, matemático, que queria muito aprender forró. “Não quero só aprender”, ressaltava o rapaz, “quero dançar com exatidão. Posso saber poucos passos, mas, os que eu souber, quero fazer perfeitamente.”.
___Dedicado e disciplinado, ele não faltava em nenhuma aula, obedecia minhas “lições de casa” e aparecia para dançar nos bailes da academia. Em pouco tempo, Marco começou a dançar direitinho: conduzia bem as damas, executava os passos com exatidão. No entanto, ritmo era o seu fraco. Ele até começava bem, mas qualquer passinho mais elaborado, qualquer pausa na música, o rapaz desandava. Tentei bater palmas, contar o ritmo ao lado dele, ler poemas ritmados, mostrei até como ler uma partitura. Nada vingava perfeitamente.
___Depois de alguns meses de aula, Marco me convidou para o seu aniversário. O plano era festejar em um forró. Chegando lá, logo vi o rapaz dançando com o seu ritmo peculiar. Quando a música acabou, fui cumprimentá-lo. Enquanto conversávamos, entrou o trio que iria tocar, ao vivo, naquela noite. Se eu estivesse em uma banheira, teria gritado “Eureka!”.
___Levei-o para perto do palco e reexpliquei que, no forró, o ideal é marcar as extremidades do passo básico na batida dupla da zabumba. “O zabumbeiro toca duas batidas rápidas, segura fazendo uma pausa e marca uma batida forte.”. Fazendo uma onomatopeia falei “Tum-tum, tum. Tum-tum, tum. Tum-tum, tum.” enquanto imitava o tocador da zabumba. “Olhe! Quando ele faz ‘tum-tum’, nós marcamos para frente ou para trás.”, completei, marcando o passo com os pés e apontando para o músico.


Músicos de forró


___Marco ficou extremamente animado com a descoberta. Tentando seguir o ritmo com o auxílio visual, passou a só dançar com as damas em frente ao palco. Na aula seguinte, para o meu espanto, o seu problema com ritmo já estava completamente sanado. Se eu soubesse que o exercício funcionaria tão bem, teria colocado ele para dançar com uma banda ao vivo antes.


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___Sexta passada, quando cheguei, à noite, em casa, o porteiro me chamou para entregar uma caixa prateada que haviam deixado para mim. Surpreso, recebi e fui tentando descobrir o que era no elevador.
___Tratava-se de um fone de ouvido da Philipsedição especial do Rock in Rio -, enviado pela agência Grudaemmim.


Fones de Ouvido - Philips Rock in Rio


___Gostei do fone. Tem sido ótimo para preparar minhas aulas de dança em casa. O som é ótimo, a flexibilidade é aceitável, a regulagem de cabeça é boa e, o que eu mais gostei, os fones são extremamente macios. É possível utilizá-lo por um bom tempo sem nenhum incomodo.
___Ganhei o fone e fiquei feliz com isso. Mesmo assim, não achei que encaixava nas temáticas do Incautos e, portanto, não iria falar nada. A curiosidade por tê-lo ganhado, entretanto, fez com que eu entrasse no site da Philips. Por lá, tive outra interessante surpresa: uma seção chamada “Obcecados por som” em que é possível ouvir uma música tocada pela Metropole Orchestra. Mais legal ainda, existe a possibilidade de isolar o som de cada músico.


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___Não sei quando terei outro aluno com as dificuldades que o Marco teve, mas aposto que essa brincadeira do “Obcecados por som” pode ser bem útil para quem trabalha com dança. Mesmo sem dançar, é bem interessante. Experimentem.

6 de outubro de 2011

Promoção inócua

___Ontem, quarta-feira, saí correndo do trabalho para assistir Elvis & Madona no cinema. Mesmo sendo a segunda semana em cartaz, o filme não chamou atenção e só está em três ou quatro cinemas de Sampa, em poucos horários. Era bom não enrolar ou eu perderia a chance.
___Assisti e, admito, saí decepcionado. Mesmo tendo sido “baseado” no filme, o livro do Biajoni é absurdamente melhor –, mais bem fechado, com situações condizentes com o andamento da história e sem furos gigantescos.* Ainda assim, não deixa de ser bacana ter visto, em um cinema comercial, um romance entre uma lésbica e um travesti.


Ingresso - Elvis & Madona - Cinemark


___Mais divertido ainda, é que, sendo um cinema comercial, o Cinemark (pelo menos o Santa Cruz) fechou algum tipo de contrato com a Veja. O verso do ingresso vinha com a seguinte promoção:


Ingresso (verso) - Elvis & Madona - Cinemark


___Paradoxal é que o tipo de pessoa que foi assistir Elvis & Madona provavelmente não vai comprar uma Veja; e quem lê, com frequência, uma revista direitista e preconceituosa, não vai ao cinema para ver um filme sobre o amor entre um travesti e uma lésbica. Que Oxumarê abençoe o acaso e a ironia.


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P.S.: Para quem gosta de Literatura, fica como indicação o paralelo que eu tracei entre o livro do Biajoni e o conto “As Academias de Sião”, de Machado de Assis.


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* Quanto o José Wilker recebeu para fazer aquela cena podre? Eu sei que uma aparição pequena como aquela pode ter custado pouco, mas a cena é tão ruim que eu teria cobrado o triplo pela vergonha de ter participado dela.

3 de outubro de 2011

Se eu não puder dançar, não é a vida que eu escolhi

___Folheando um livro que estava nas mãos de uma amiga*, encontrei uma fala linda da Emma Goldman.




Nos bailes, eu era uma das mais alegres e cheias de energia. Uma noite, um primo de Sasha, um garoto jovem, me puxou de lado. Com uma expressão grave, como se fosse anunciar a morte de um companheiro querido, ele sussurrou que não convinha a uma agitadora ficar dançando. Com certeza não convinha com um tal abandono. Não era uma atitude digna para quem estava para se tornar uma força no movimento anarquista. Minha futilidade apenas mancharia a causa. Eu fiquei furiosa com a interferência sem pudor do garoto. Eu falei para ele cuidar da própria vida e disse que estava cansada de jogarem a causa toda hora na minha cara. Eu não acreditava que uma causa que defende um ideal tão lindo, o anarquismo, a liberdade e emancipação das convenções e do preconceito exigisse a negação da vida e da alegria. Eu enfatizei que nossa causa não poderia esperar que eu fosse uma freira e que o movimento não deveria se tornar um mosteiro. Se fosse isso, eu não o queria. Eu quero a liberdade, o direito à livre-expressão, o direito de todos às coisas bonitas e radiantes! Para mim, o anarquismo era aquilo e eu viveria o anarquismo a despeito de todo mundo – prisões, perseguição, tudo. Se eu não puder dançar, não é a minha revolução.



Emma Goldman


___Eu sei que Emma Goldman estava falando de como ela encarava o Anarquismo e a liberdade que esse deveria permitir a todos, em qualquer situação. Mesmo assim, não consigo ver um ponto sequer da minha vida cotidiana –, da sala de aula à pesquisa, do meu casamento a conversas com amigos, de escrever no blog a ler um livro no parque –, não consigo pensar em nenhuma constante do meu cotidiano em que isso não possa ser aplicado.


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___Quanto mais feministas eu conheço, quanto mais sei sobre Emma Goldman, Mary Wollstonecraft, Lucy Parsons, Simone de Beauvoir, mais me admiro o movimento feminista.


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* Baderna: Estamos vencendo! – Resistência global no Brasil, de Pablo Ortellado e André Ryoki.

29 de setembro de 2011

Oferta de emprego

___Depois dos últimos textos que eu publiquei aqui sobre Educação, deem uma olhada no que me enviaram.


Oportunidade de emprego


___Eu mereço, né? Se não fosse algo triste, seria até engraçado.


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P.S.: Antes que alguém pergunte, não estou, nem de longe, insatisfeito com o meu trabalho como professor; estou é muito feliz. Insatisfeito eu estou com o salário e com gente – como os políticos do PSDB – que utiliza escolas como a minha para fazer propaganda de como o governo é capaz de fazer “Educação de qualidade”.

27 de setembro de 2011

Documentários e videntes

___– Amor, quer ver um documentário?
___– Claro. Quais as opções?
___– Deixe-me ver... Hum... Tem um aqui chamado O homem que previu o 11 de setembro.
___– Olha a sinopse. Se não for sobre o Osama Bin Laden, eu não estou interessado.

26 de setembro de 2011

O castigo vem a cavalo

___Queridos leitores, vocês leram o meu artigo sobre a boa colocação da ETESP entre as escolas de Sampa, né? Pesado, não?
___Eu sei, foi falta de cautela escrever aquilo. Não se fala daquele jeito do lugar que você trabalha, dos seus superiores hierárquicos, do governo. É perigoso. Eu sabia que eu poderia ser castigado.
___No entanto, quando pensei em castigo, imaginei que eu poderia ser chamado à direção da escola para tomar um esporro, que eu poderia ser demitido, processado, preso, torturado, expulso do país ou qualquer coisa do tipo. Claro, existia a possibilidade de algo mais humilhante, como ser jogado em uma arena, de sunga, para lutar no gel contra o governador Geraldo Alckmin. E é só. Não pude conceber que algo pior pudesse acontecer.
___Infelizmente, leitores, o golpe que eu recebi foi muito mais duro. Hoje, eu me sinto humilhado, violado, sujo. Não quero mais sair à rua. Tenho vergonha, medo que me reconheçam. Olho para as pessoas, de canto de olho, cabeça baixa, receoso que me apontem. Nem mesmo perto dos meus conhecidos eu tenho coragem de ficar.
___Eu sei que a ETESP é um colégio famoso e que o bom resultado no ENEM iria atrair a atenção da imprensa. Não foi à toa que vários jornais e revistas apareceram por lá entrevistando, tirando fotos. E de todos eu fui aparecer bem em qual? Em qual?!? No jornal da Igreja Universal. O Horror! O Horror! Com foto e tudo! Puxa vida, é um castigo grande demais. Será que eu merecia tanto?


M. U. Trida - Aula - 1º Épsilon (2011) - ETESP


___Tá bom, fui muito dramático. Podia ser bem pior. Imaginem se eu estivesse na capa da Veja, ao lado do Alckmin, com uma manchete tipo “PSDB, ensinando a fazer educação pública de qualidade”.

24 de setembro de 2011

Por que eles se vestem assim?

___Por alguma sorte do acaso, caiu na minha mão o livro Segunda-feira o rabino viajou, de Harry Kemelman. Contou-me a capa que esse é apenas mais um dos romances protagonizados pelo rabino David Small – que até então eu não conhecia.
___A figura do rabino tem me agradado bastante. Um dos motivos para isso é que a sensatez da personagem parece ser de grande eficácia para refletir sobre religião sem obscurecer as reflexões com dogmas. Fica um trecho que eu apreciei até não poder mais.


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___Ao avistarem um praticante do judaísmo chassídico, a mulher de Small pergunta:




___“Por que eles se vestem assim, David?”.



___Ao que o rabino responde sorrindo:




___“Para falar a verdade, por puro conservadorismo. Essa é a roupa usada pelos mercadores poloneses e russos do século XVIII e, acredita-se, por Baal Shem Tov, o fundador do movimento naquele século, e para imitar o rebbe* eles a adotam também. Acho que os amish da Pensilvânia agem da mesma forma e pelo mesmo motivo. Tendemos a associar roupas com atitudes. Deve ser por isso que as pessoas, hoje, se opõem às novas maneiras de se vestir; elas as consideram sinal de uma rebelião, de uma ruptura não só com os estilos tradicionais mas igualmente com os valores e com a moral tradicionais.”.



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* Rabino em iídiche.

20 de setembro de 2011

ETESP: mentiras e verdades na melhor escola pública de São Paulo

Nota: Este é mais um post da série “Vamos ver se eu me ferro profissionalmente.”. O ponto é que, mesmo sabendo que um texto deste pode custar a minha cabeça, sou obrigado a dizer: o preço de ficar calado é maior.


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Ranking
___Viram os resultados do Enem de 2010 publicados na semana passada? Pois bem, reles mortais, morram de inveja: a escola pública em que eu leciono não só está entre as melhores do estado, como, também, é a única pública entre as dez melhores.
___Sabem o que eu acho disso? Acho que isso é uma vergonha! (Droga, falando assim eu pareço o Boris Casoy.).


Rede pública e o ENEM


___Não, não tenho vergonha de dar aula na ETESP. Tenho orgulho. (Tenho vergonha é de ter parecido com o Boris Casoy no parágrafo anterior.). Amo aquela escola, a liberdade que professores e alunos podem desfrutar, o ambiente que permite um bom trabalho, grande parte do corpo docente. A Escola Técnica Estadual de São Paulo é mesmo maravilhosa. Horrível, no entanto, é que ela seja a única pública entre as dez melhores.
___Um quadro assim deveria ser alardeado como uma desgraça. Como é que os jornais não publicam entrevistas e mais entrevistas com o governador, perguntando se ele não tem vergonha na cara?  Como pode ser encarado com normalidade que apenas uma escola pública consiga uma boa colocação entre todos os colégios públicos do estado? Ao invés de criticar tal despautério, a imprensa noticiou o fato fazendo lindas reportagens sobre como a ETE São Paulo é maravilhosa.


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Caminho errado
___Claro, é importante mostrar exemplos que deram certo para fornecer o caminho para quem não está tão bem assim. Infelizmente, o exemplo da ETESP não é o melhor, para falar a verdade, ele não é nem possível.
___Para se conseguir o direito de estudar na melhor escola pública da São Paulo é necessário passar por um vestibulinho. Se esse for o caminho, as escolas públicas terão de se tornar lugares excludentes, que só permitem a entrada de alguns privilegiados bem preparados. Tais quais as universidades públicas.
___O caminho para melhorar o ensino público deveria vir de alguns elementos das outras nove melhores escolas de São Paulo –, as privadas. Não que os colégios particulares sejam maravilhosos, perfeitos, altos, loiros, de olhos azuis e barrigas tanquinho. O ponto é que, com raríssimas exceções, qualquer um que pague a mensalidade pode estudar neles. Os colégios do governo – teoricamente – têm de oferecer vagas para todos e, portanto, precisam estar preparados para conseguir bons resultados na mesma condição que os particulares: não importando qual o público atendido.
___Outros elementos importantes, que podem ser facilmente percebidos pelos resultados absurdamente superiores das escolas particulares, é que infraestrutura decente, número razoável de aulas e salários mais respeitosos, geram resultados melhores. Nada disso as escolas públicas têm. Vale dizer, nem a ETESP tem.


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Mentiras
___Já que o resultado da Etec São Paulo foi muito bom, os jornais – incompetentes e/ou parciais – fizeram apenas reportagens acríticas, que não pararam de enaltecer as qualidades da escola. Lendo as matérias, fica-se com a certeza de que a ETESP é a última camisinha da gaveta. Como a situação não é tão poliânica quanto a imprensa noticiou, acho que vale a pena apontar alguns furos.
___Uma das reportagens aceita como explicação para o sucesso do colégio os “professores, que são preparados e motivados”. Realmente, existe muita gente boa no corpo docente da ETESP e eu agradeço pelo “preparado”. E, admito: sou um empolgado. Porém, vamos ser realistas: dá para dizer que alguém fica motivado recebendo R$ 10,00 hora/aula? Isso mesmo, DEZ REAIS por aula! Dez reais para preparar uma aula, dar a aula, atender os alunos fora de sala, corrigir provas. Dez reais. Alguém fica motivado com isso?
___Antes que alguém venha questionar, o aumento, que o governador Geraldo Alckmin anunciou em MAIO, ainda não pingou na minha conta. Dava para ganhar mais, por hora, pedindo esmola – e eu nem ia precisar ter o trabalho de preparar aula.
___Elogios às salas multimídia, à biblioteca, são feitos como se não existissem defeitos. Por exemplo, valia citar como o número de salas multimídia não é condizente com a quantidade de alunos. Ou que as falhas dentro das que existem são bem frequentes. Mas, vou falar do que os jornais deixaram, sem querer, transparecer.
___O G1 disse que a biblioteca da ETE São Paulo tem “20 mil volumes, incluindo materiais de pesquisa”. Se são realmente 20000, eu nem imagino; porém, eu sei que não é um local de fácil consulta. Se o G1 não sabe disso, repito, é por incompetência e/ou por parcialidade.
___Olhem a foto publicada pelo G1.


Biblioteca da ETESP


___Perceberam? Não? Então, parem de olhar para o aluno no meio da foto, olhem para os livros da biblioteca. Vou aproximar a imagem.


Biblioteca da ETESP - Detalhe


___Entenderam? É uma biblioteca, com, teoricamente, 20 mil volumes, e os livros não estão classificados. Olhem como ficam os livros, com classificação, em uma biblioteca séria.


Biblioteca séria


___Todas as lombadas têm uma marcação para dizer qual é a obra. Completamente diferente da biblioteca da ETESP. Como pode se elogiar uma biblioteca em que não se consegue encontrar os livros que se quer?


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Então, na verdade, a ETESP é ruim?
___Não. A ETESP não é ruim. Ela é maravilhosa. Só que não é boa por causa do governo. Por isso mesmo que me incomoda quando, após o bom resultado, aparece um burocrata qualquer, “coordenador do ensino médio e técnico do Centro Paula Souza*”, dando entrevista para a Folha dizendo que “a aliança do ensino básico com o técnico resultou no bom desempenho.” e que “[Nós do Centro Paula Souza] Também estimulamos os professores a cursar uma especialização, mestrado ou até doutorado para se manterem atualizados”.
___Afirmar que o bom resultado vem da aliança entre ensino básico e técnico, demonstra um completo desconhecimento de como a ETESP funciona – já que é a minoria dos alunos que faz o médio e o técnico ao mesmo tempo. Além disso, o senhor “coordenador do ensino médio e técnico” e a Folha podem me explicar como a Escola Técnica Estadual Professor Carmelino Correa Jr conseguiu ter o terceiro pior resultado do estado, já que ela também faz parte do Centro Paula Souza e lá também existe “aliança do ensino básico com o técnico”?
___Quanto ao estímulo aos professores para “cursar uma especialização, mestrado ou até doutorado para se manterem atualizados”, por favor, não que seja proibido contar piadas em jornais, mas é sempre bom não exagerar. Com o salário ridículo que o Centro Paula Souza paga, mal dá para pagar as contas, imagine comprar livros, empreender viagens de pesquisa, arrumar tempo livre para escrever.
___A verdade é que a ETESP conta com professores dedicados (mesmo ganhando mal, muitos dos professores se esforçam ao máXimo para garantir que os estudantes irão aprender), com alunos bem preparados (como é necessário vestibulinho para entrar na escola – e a ETE São Paulo é uma escola muito bem conceituada e disputada –, costumam entrar ótimos alunos) e uma Associação de Pais e Mestres muito ativa (que fornece à escola grande parte das verbas e funcionários que o governo não dá).
___O bom resultado da Escola Técnica Estadual de São Paulo é reflexo dos alunos esforçados e que já chegam bem preparados (e que costumam ter dinheiro para auxiliar os próprios estudos), de ótimos professores (que se dedicam muito, mesmo não recebendo as recompen$a$ devidas), de uma liberdade atípica, de uma comunidade atuante e de muitos outros fatores. Nenhum desses fatores, infelizmente, vindos do poder público. Só que, em época de eleição e de bons resultados, nunca falta algum burocrata inútil ou um político desonesto tomando as glórias da única escola pública fabulosa do estado para si.


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* O Centro Paula Souza é a autarquia do Governo do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia, que administra as faculdades de tecnologia e as escolas técnicas, incluindo a ETESP.